Capítulo Dezessete/2

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E então aconteceu.

Eram pouco mais das cinco horas da tarde. Eu havia acabado de chegar da escola e meu pai segurava minha mão. Estávamos contentes, pois no dia seguinte viajaríamos para o novo parque temático que estreou naquele mês em nossa cidade. Meu pai me deu banho naquele dia, passou sabonete liquido em meus cabelos finos e lisos. E eu ria quando saia bolha de sabão dentre meus lábios. Papai ria comigo, talvez ele também achasse engraçado. Vesti meu pequeno pijama laranja antes mesmo de mamãe chegar, ela estava de plantão no trabalho e chegaria tarde aquele dia, então papai teria que cozinhar. Ele me deixou na cadeira alta da mesa brincando com um tablete e brinquedo.

Quando o jantar fora finalizado, mamãe chegou do trabalho. Deu-me um beijo molhado na bochecha e um bem nojento na boca de papai. Vi seus lábios se tocando, fiz uma careta e ri. Meus pais devem ter achado graça em mim, pois vieram me fazer cosquinhas.

São extraordinários os fatos e os detalhes que lembrados daquilo que mais queremos esquecer. Lembro-me do fogo azul do fogão ligado, do som da janela batendo contra a parede devido ao vento. Lembro-me das risadas de minha mãe quando meu pai a levava para o andar de cima para seu banho sagrado. E me lembrava de tudo que eles conversavam.

Depois do jantar, mamãe foi preparar minha cama. Eu dormia em uma pequena cama em um quarto pequeno, cheio de brinquedos; um boneco do Batman, que já perdera uma das orelhas; um Aquaman que a muito perdi o tridente, e um Homem-Aranha sem cabeça, devorado pelo cachorro da época, chamado Pinbo. Aquela noite quando me deitei no travesseiro e fechei os olhos, pareceram passar apenas alguns segundos. Abri os olhos rapidamente e me sentei na cama ereto. O coração saltado, alguma coisa havia quebrado, mas eu não podia supor o que era, acordei devido ao estrondo.

Coloquei meus pequenos pés descalços no chão gelado. E pulei para fora da cama, agarrado a manta que dormia e fui até a porta. Era inegável, algo no andar de baixo parecia caminhar. "um monstro", eu havia pensado "ele veio me pegar, aquele que mora dentro do armário". Mas meu pai havia me alertados de todos os monstros, que eles não existiam, mas que se, por acaso, encontrasse um deles um dia, eu teria de ser corajoso e enfrentá-lo contra meus próprios medos.

Abri a porta do meu quarto e olhei para fora. O corredor escuro me deu calafrios, mas a porta do quarto de meus pais dava menos de cinco passos. Coloquei o corpo para fora e perambulei pelo assoalho de madeira até chegar lá.

Bati três vezes. Nenhuma resposta.

Entrei sorrateiro como um silencioso gato. Eu sabia que se me imaginasse como um, afastaria qualquer ameaça que estivesse lá embaixo, pois se fosse um gato, ninguém se importaria.

Papai e mamãe estavam dormindo. Papai roncava baixinho, me aproximei dele e sacudi seu ombro quente.

– Papai. – chamei. Ele resmungou qualquer coisa. – T-tem um monstro lá em baixo.

– Não há nada lá em baixo. – ele respondeu de olhos bem fechados.

– Eu ouvi. Ele quebrou alguma coisa. Você tem que ir deter o monstro.

– O que eu te falei sobre monstros? – perguntou meu pai se levantando sonolento. – Eles não são de verdade, são apenas histórias.

Eu queria chorar e dizer que não era verdade, que eu havia acordado com algum barulho. Mas meu pai me ensinou a ser forte, por isso eu não queria chorar. Segurei a manta com força e disse:

KianOnde histórias criam vida. Descubra agora