Maya não se lembrava de momentos de tranquilidade ao acordar durante a infância.
Desde os seus três anos de idade, sua realidade era ser despertada pelo som áspero da voz de Lane. Isso, claro, quando ele estava de bom humor. Quando o mau humor tomava conta, a violência e o desprezo se manifestavam de maneiras ainda mais crueis.
Como pelo choque de uma bacia de água fria arremessada em seu rosto.
Tudo isso para garantir que ela começasse a se exercitar, treinando antes mesmo que o sol nascesse.
Ela nunca se permitiu dormir até tarde. Não havia finais de semana de descanso, nem mesmo uma trégua após ganhar uma corrida ou quebrar algum recorde. Os méritos nunca foram suficientes. A casa nunca foi um espaço de refúgio ou acolhimento; ao contrário, era um campo de tensão constante, onde ela, seu irmão e sua mãe viviam em silêncio, pisando em ovos, temendo a próxima explosão de Lane. As conversas entre eles eram breves, medidas, quase inexistentes. O barulho, mesmo o menor dos sons, poderia ser interpretado como uma afronta.
O casamento de seus pais também era marcado por uma distância congelante. Maya nunca viu trocas de carinho, nunca presenciou um toque afetuoso entre eles. Não havia risos, não havia olhares de cumplicidade. Ela não sabia o que era o amor dentro de um lar.
Às vezes, ela se pegava pensando como sua mãe conseguiu suportar aquilo por tanto tempo, como alguém poderia viver com o coração em constante alerta.
Mas não havia respostas.
Agora, Maya estava desperta, mas deitada em um ambiente completamente diferente. Era cedo, apenas seis da manhã, e o quarto ainda estava silencioso, envolto na penumbra suave dos primeiros raios de sol que se infiltravam pelas cortinas. Em vez de ser acordada pelo som autoritário de seu pai, como em tempos passados, Maya agora sentia a respiração tranquila de Carina ao seu lado, aninhada em seu corpo.
A leveza daquele momento era quase surreal. Maya jamais havia imaginado que poderia experimentar algo assim — uma calmaria que aquecia tanto por fora quanto por dentro. Ela sorriu, lembrando da noite anterior.
As duas haviam ido dormir tarde, completamente perdidas uma no corpo da outra. Várias e várias vezes, os beijos haviam se intensificado, as mãos explorando sem pressa, e o desejo parecia inesgotável. Cada toque, cada suspiro trocado, as fazia esquecer do tempo.
Agora, o corpo de Carina estava ali, próximo e reconfortante. O braço dela envolvia a cintura de Maya de uma forma tão natural que fazia com que cada pedaço de tensão acumulada ao longo dos dias simplesmente derretesse. Carina tinha o rosto encostado no ombro de Maya, a respiração dela suave, quase imperceptível. Maya podia sentir o calor da pele de Carina contra a sua, o que fazia seu coração bater mais devagar, mais tranquilo.
Olhar para ela assim, de perto, parecia um privilégio. Era um tipo de intimidade que Maya nunca pensou que fosse encontrar.
Era uma paz que Maya nunca havia conhecido, uma tranquilidade quase estranha. Ela ficou ali, observando Carina dormir, sua expressão relaxada, o cabelo levemente bagunçado, a respiração constante e suave.
Ao sentir aquele calor e aquela proximidade, Maya soube que jamais seria capaz de tratar Carina da forma como Lane tratava sua mãe.
Mesmo que elas ainda estivessem no começo, apenas se conhecendo, Maya sentia uma admiração profunda por Carina, uma necessidade de protegê-la, como se fosse seu dever garantir que Carina nunca passasse pelas dores que ela mesma passou.
O simples pensamento de algum dia machucar Carina, seja de forma física ou emocional, a deixava nauseada. Ela jamais seria como seu pai.
Maya soltou um suspiro suave e esticou a mão até o celular, que estava na cabeceira ao lado de seu travesseiro. A tela acendeu, mostrando que já eram 6h15. Ela precisava levantar para seu turno de 24 horas na estação.
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Flames of Fate
FanfictionMaya, uma bombeira corajosa e dedicada, e Carina, uma médica obstetra renomada, vivem vidas separadas e desconhecidas uma da outra. No entanto, quando uma mulher grávida entra em trabalho de parto durante um prédio em chamas, seus destinos se entrel...