A vida ainda é bonita

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Petrópolis

— Mas, isso não impede que eu repita: é bonita, é bonita, e é bonita.

Ao som de pandeiros, violões, tambores e violinos, dezenas de vozes se uniram em uma sinfonia viva e contagiante, transformando as ruas de Petrópolis em um palco. Os adultos e adolescentes se juntaram e cantavam cheios de energia. Seus risos e melodias reverberavam pelas esquinas, e a cidade inteira parecia ser puxada para dentro da atmosfera festiva.

— Viver e não ter a vergonha de ser feliz. Cantar, e cantar, e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz!

Não era feriado nem um evento planejado, apenas os alunos da Escola de Artes Alaia, que saíram das salas e foram mostrar o talento pelas ruas.  As crianças corriam à frente, liderando o grupo, enquanto os mais velhos, sem se importar com o cansaço, acompanhavam com o mesmo entusiasmo.

— Aceita uma flor, Sra. Calixto?

O homem de cara pintada ofereceu a mulher.

— Obrigada, Lucas.

— Seguimos para o prédio?

No meio daquela multidão, Samuel, um senhor com o vigor de quem se recusa a envelhecer, saltava como se tivesse 20 anos.

— Tio Samuel. — O homem abraçou o senhor. — Vamos, claro. Ainda animado?

— Não mais que sua filha.

— Papai!

A criança de sorriso fácil passou em meio aos músicos, cantores e pulou no colo do homem de roupas coloridas.

— Ela é igual ao seu pai.

Samuel disse observando a menina cantando e brincando.

— Isso é bom, melhor que seja como ele. — Agachou-se frente à menina e prendeu uma flor nos longos de cabelos castanhos. — Vamos, Ada?

— Ah, meu Deus! Eu sei, eu sei, que a vida devia ser bem melhor e será!

Sua voz já rouca misturava-se ao coro, e o momento era tão genuíno e bonito que parecia eterno. Aquela felicidade devia durar para sempre, transbordar até as classes. Os alunos animados chegaram e se alocaram no salão principal, ainda tocando os instrumentos e exibindo a canção de Gonzaguinha.

— Vocês estão sentindo cheiro de fumaça?

Samuel comentou, mas a sua voz perto dos tambores foi ignorada.

É difícil dizer quando a música terminou. Talvez tenha sido um acorde errado ou um olhar desconfiado. O cheiro de fumaça se espalhou rapidamente, e a alegria que preenchia cada canto da escola deu lugar a um terror indescritível. O ritmo dos tambores perdeu o compasso, as vozes silenciaram, e o salão que antes era cheio de risos e vida se transformou em um cenário de desespero.

— Papai!

Ada gritou, os olhos arregalados, procurando por ele entre a fumaça e o tumulto.

Ela só queria rir e se divertir, contudo, seu riso, assim como o de todos, foi substituído por lágrimas e pedidos de ajuda.  As chamas se ergueram altas, engolindo sonhos, alegria, esperança. A música havia cessado, os violinos haviam se calado, e agora tudo que Ada via era o fogo — o fogo que separava seu caminho. Ela não conseguia encontrar o pai, não conseguia ver o tio Samuel, nem ninguém da família.

Diante dos seus olhos, só via fogo. Um incêndio que destruiu tudo que ela um dia amou. O fogo consumiu tudo. As chamas se alastraram com uma voracidade cruel, e a fumaça engoliu o ar e os sonhos dos alunos da Alaia. As paredes, que antes abrigavam música e promessas de futuro, agora se desintegravam.

A vida era bonita, ela perdeu sua beleza no começo de 2002 em Petrópolis.

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