Três amigos

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Rio de Janeiro, 2015

Três almas perdidas no caos da cidade grande se encontraram, cada uma carregando sua própria bagagem de traumas e cicatrizes, mas, de alguma forma, acharam abrigo uns nos outros. Enquanto a maioria dos jovens na idade deles lidavam com as dúvidas da adolescência, eles batalhavam para sobreviver. Ada, Nico e Sofia escolheram ser uma família e essa era a única certeza que tinham. 

— Comida!

O grito de Nico ecoou pelas paredes vazias do antigo casarão, onde agora chamavam de lar. Um ano havia se passado desde que Samuel os encontrou e lhes ofereceu abrigo, transformando o casarão em um refúgio para tantos.

— Estou indo!

Ada respondeu apressada, sentindo uma alegria que só eles compreendiam: a alegria de ter um teto. Depois de tanto tempo nas ruas, a simples chance de chegar em casa e dormir sem medo da chuva ou da violência era uma dádiva que pensaram que não teriam.

Nico, com 18 anos, 19 anos no domingo, trabalhava como garçom, enquanto Ada se revezava no sinal de trânsito, usando todos os truques de malabarismo que aprendeu e, e um trabalho clandestino em uma fábrica de costura. Não era trabalho para uma adolescente, mas a realidade não lhes deu alternativas. Comer era essencial, e as opções eram poucas. Sofia, equilibrava os estudos com pequenos bicos e Samuel, o mais velho, ajudava Lúcia no supermercado, mas sua a saúde frágil o impedia de ajudar totalmente. 

— Vou comer tudo sozinho!

Nico brincou, pronto para devorar as sobras do almoço que conseguira no restaurante onde trabalhava, e que repartia entre todos na casa. A cada dia que passava, mais gente se abrigava ali, aliás haviam perdido a conta de quantas crianças estavam vivendo ali.

— Estou aqui. — Ada, com seus 17 anos, pulou nas costas dele, rindo e bagunçando o cabelo enrolado. — Credo, está nascendo pelos em você.

 — Obrigada pela parte que me toca.

Nico revirou os olhos, mas sorria. Era sua irmã, não de sangue, mas de vida. Os anos longe foram os difíceis. Após o incêndio, como a garota teve queimaduras mais graves, a enviaram para outro hospital, enquanto ele, foi tratado em Petrópolis e logo em seguido o despacharam para um abrigo. Pulou de fundação a fundação até finalmente encontrar Ada.

 — Cheguei.

A voz de Sofia, a mente brilhante do grupo, ecoou pela sala. Ada a conhecera em um dos abrigos, e juntas, concordaram que ela era a mais esperta deles. Por isso, Nico e Ada insistiam que ela continuasse estudando, mesmo que as condições fossem difíceis.

 — Que bom que estão aqui.

Samuel apareceu, com os olhos sempre lacrimejando ao ver os três. A busca por Ada havia sido árdua e, após mais de uma década, ele ainda parecia viver em um sonho, tentando reparar o passado com cada gesto, cada palavra. Não podia mudar os anos de abandono, mas agora fazia tudo ao seu alcance para cuidar deles.

 — Oi, tio Sam. — Ada sorriu para ele, sentindo o conforto de ter ao menos uma parte de sua família viva. — Senta com a gente.

 — Antes, precisamos conversar, crianças. 

A voz de Samuel, sempre cheia de amor, soou grave. Todos pararam o que faziam, sentando-se ao redor da mesa. O medo que pairava era sempre o mesmo: a saúde frágil de Samuel, que ameaçava deixá-los mais uma vez desamparados.

 — Está tudo bem, tio?

Ada foi a primeira a falar, mas sua voz tremia. A ideia de perder Samuel a apavorava. Ela aprendera a sobreviver sozinha, mas não queria voltar a essa solidão.

 — Bom... — Samuel começou, respirando fundo e olhando para cada um deles. — Sabem que este bairro é o nosso refúgio, meu e de todos que sobreviveram. — Ao longo das décadas, pouco a pouco reencontrou amigos com quem trabalhou e os trouxe para o terreno que ganhou do pai. — Mas, nem todos vivem legalmente com a gente. As crianças, em especial. Vocês têm que proteger elas. Nunca deixem os menores sozinhos e, de forma alguma, chamem atenção. Sejam invisíveis nessa cidade. Este mundo não é gentil com quem já foi esquecido.

Uma nova família havia nascido, uma que sobrevivia à sombra, longe dos olhares curiosos e ambiciosos. A vida, que já era uma luta constante, agora tinha novas regras. Ada, Nico e Sofia aprenderiam que para viver precisavam não ser vistos.

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