Chamas

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Outro dia, a rotina que tanto desmoronava quanto mantinha intacta a vida, chegou com o peso habitual. Havia algo reconfortante na ideia de que, independentemente da classe social, o tempo seguia, e o próximo dia sempre viria. Isso, paradoxalmente, acalmava e destruía.

Na mansão e no casarão caindo aos pedaços, as mesas foram postas com a mesma formalidade silenciosa. O ar era pesado, impregnado de uma tristeza que já se tornara parte do cotidiano. De um lado, Pedro estava preparando-se mentalmente para encarar o hospital e o velório de Maurício, que falecera na madrugada. Do outro lado, Ada estava presa com seus próprios fantasmas.

O silêncio foi quebrado, não por consolo ou gentileza.

—  Onde estavam ontem? — Pedro perguntou aos filhos e netos com uma voz que não admitia segredos. — Chegaram tarde.

O olhar cortante de Tessa caiu sobre Pietra.

— Saiu? — A acusação estava clara nos olhos. —  Agora sai sem me avisar?

— Eles estavam comigo, Tessa. — Rafah interrompeu a primeira discussão do dia. — Ainda sou o tio deles. 

— E seu nome é sinônimo de responsabilidade agora?

Ela riu com escárnio, mordendo o pão integral com uma ironia visível.

— Onde estavam? 

Enzo impediu que a esposa continuasse com o deboche característico dela. 

— Fomos em uma festa de uma amiga.

Rafah respondeu secamente. Stella observava, querendo não emitir muita opinião. Sentia que era melhor eles se isolarem no próprio silêncio. 

A conversa voltou ao velório, e Tessa, já de pé, lembrou o pai:

— Papai, o velório será às 10:00, mas precisamos ir ao hospital antes.

— Vou ver Anjinha antes. Pode ir sem mim.  

Pedro levantou-se e saiu, algo que não fazia comumente, pois sempre era o último a deixar a mesa. 

— Se vocês me derem licença, tenho que impedir um novo colapso. 

Tessa murmurou com uma satisfação sádica, pois, no fundo, sempre gostou de ser aquela que mantinha tudo sob controle.

— E esse é o nosso café da manhã, tia Liz. 

Danilo levantou a taça de suco rindo debochadamente. Ele virou-se para a tia, que estava se acostumando com os cafés de manhã dali.

— São... animados. 

Liz respondeu sem jeito. 

— Desculpe, Liz. — Rafah, percebendo o constrangimento, desculpou-se. — Geralmente demoramos mais para discutir na frente dos outros. 

— Está tudo bem. — Queria não se sentir uma estranha na própria família. — Papai se preocupa mesmo com a Ângela, não é? 

— Sim. — Pietra disse, impedindo que o primo desse outra resposta. — Todos estamos abalados com a doença dela, mas o vovô... ele mudou.

— A culpa faz coisas extraordinárias. 

Danilo, não suportando ficar calado, jogou indireta e saiu do mesmo das pessoas que um dia considerou serem sua família. 

— Te adiantando o drama. — Rafah tomou o resto do café e olhou para irmã. — Ceci adotou o Danilo há quatro anos. Depois que o Filipe morreu, ele passou a nos odiar.

— Uau! Isso é digno de um enredo de novela. 

Liz falou sorrindo nervosamente. 

— Sim, com a diferença que todos somos vilões e queremos nos matar mutualmente.

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