009 - tide and confession

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As coisas tinham mudado, isso era óbvio. Não só por causa da tempestade da noite anterior — que, aliás, foi mais intensa do que qualquer um de nós esperava —, mas também pelo jeito como JJ e eu nos olhávamos. Havia algo no ar, como se cada conversa, cada toque acidental, carregasse um peso que não existia antes. E, claro, a ironia de tudo isso é que ninguém além de mim parecia notar.

Depois da tempestade, os dias voltaram ao ritmo habitual. As manhãs começavam com surf, o sol nascendo no horizonte, a água fria e refrescante despertando a gente para mais um dia cheio de risadas e conversas intermináveis. Sarah e John B sempre estavam na frente, como o casal protagonista de uma comédia romântica que vive em um eterno estado de felicidade ensolarada. Cléo e Pope eram mais discretos, mas, sempre que olhava, os dois estavam juntos, de alguma forma, sempre conectados por aquele laço silencioso que só quem entende do que é feito o amor sabe explicar.

Já JJ… bom, JJ continuava sendo JJ. Sempre cheio de energia, sempre tirando sarro de alguma coisa ou inventando um plano maluco para a gente fazer. Mas agora, toda vez que ele olhava para mim, algo mudava. Talvez fosse a maneira como seus olhos demoravam um pouco mais do que o necessário ou como suas piadas pareciam sempre ter uma segunda camada, uma que só eu conseguia entender.

Naquela manhã, enquanto nos preparávamos para mais uma sessão de surf, JJ estava estranhamente calado. Ele olhava para o horizonte, a prancha sob o braço, mas parecia distante. Eu sabia que não era só o mar que ocupava seus pensamentos. Algo mais estava passando pela cabeça dele, e, como sempre, minha curiosidade me empurrava para descobrir o que era.

— Você está quieto hoje — comentei, enquanto passava cera na minha prancha, tentando manter o tom casual.

Ele me olhou de canto de olho e deu de ombros. — Só pensando.

Eu arqueei uma sobrancelha. — Pensando? Isso é uma novidade.

Ele riu, mas não com o mesmo entusiasmo de sempre. Em vez disso, olhou para o mar, como se procurasse uma resposta entre as ondas que quebravam à nossa frente.

— E o que te faz pensar tanto assim? — perguntei, me aproximando um pouco mais.

JJ suspirou e passou a mão pelos cabelos loiros bagunçados. — Sei lá, Kiara. Acho que estou tentando entender o que vai acontecer depois de tudo isso.

"Depois de tudo isso." Aquelas palavras ficaram no ar, pesadas. Eu sabia exatamente o que ele queria dizer, mas evitava pensar no assunto tanto quanto possível. O verão estava avançando rápido demais, e logo, inevitavelmente, viria o fim. O fim de todos aqueles dias perfeitos, das ondas, das risadas, dos olhares. E eu teria que voltar para a realidade — e ele também.

— Tá preocupado com a faculdade? — perguntei, mesmo sabendo que esse não era o verdadeiro problema.

— Faculdade? Nem tanto — ele balançou a cabeça, soltando uma risada curta. — Quero dizer, é claro que estou preocupado, mas acho que o que me assusta mais é… o que acontece com a gente?

Essa última parte saiu tão baixa que quase se perdeu no som das ondas, mas eu ouvi perfeitamente. E foi como se o chão de areia sob meus pés tivesse desaparecido por um segundo.

— O que você quer dizer com isso? — perguntei, tentando não soar afetada, embora meu coração estivesse batendo mais rápido do que o normal.

JJ se virou para mim, os olhos azuis fixos nos meus. — Sabe… nós. Esse verão. Você e eu.

Fiquei em silêncio por alguns segundos, o suficiente para sentir o peso do que ele estava tentando dizer. Por mais que a gente estivesse vivendo uma espécie de sonho de verão, a verdade era que não tínhamos falado sobre o que viria depois. Talvez porque ambos sabíamos que, eventualmente, o sonho teria que acabar.

— Não sei, JJ — admiti, finalmente. — Acho que ninguém sabe o que vai acontecer. Talvez seja isso que faz esse verão tão especial. A gente não precisa pensar no amanhã, só no agora.

Eu tentei parecer tranquila, mas a verdade é que a incerteza me consumia. E, pelo jeito que ele me olhava, percebi que não era só eu.

— E se o agora não for suficiente? — ele perguntou, a voz suave, mas carregada de significado.

Antes que eu pudesse responder, John B apareceu, interrompendo o momento com seu timing impecável.

— Vocês vão ficar aí parados ou vamos pegar umas ondas? — ele gritou, com aquela animação que parecia nunca diminuir.

— Estamos indo! — JJ respondeu, rapidamente mudando de assunto, como se a conversa anterior não tivesse acontecido.

Peguei minha prancha, ainda tentando processar tudo o que ele tinha dito, enquanto seguíamos em direção ao mar. As ondas estavam mais fortes do que o normal, e logo eu estava imersa na água, tentando deixar os pensamentos de lado e me concentrar em surfar.

Mas, mesmo enquanto deslizava pela superfície do mar, sentia o olhar de JJ sobre mim. E sabia que, eventualmente, a gente teria que voltar àquela conversa.

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O resto do dia foi uma mistura de tentativas de surfar e risadas com o grupo. Depois de horas no mar, voltamos para a casa de John B, onde mais uma vez rolou um churrasco improvisado, dessa vez com Pope e Cléo discutindo se ketchup deveria ou não ser considerado um ingrediente essencial para hambúrgueres.

— Isso nem é uma discussão, Pope! Todo mundo sabe que ketchup é essencial! — Cléo exclamou, indignada, enquanto Pope apenas balançava a cabeça em negação.

— Isso é uma questão de gosto pessoal — Pope retrucou, cruzando os braços como se estivesse defendendo uma tese importante.

Sarah revirou os olhos ao meu lado, rindo. — Eles nunca vão parar com isso, né?

— Nunca — concordei, tentando manter minha mente longe de JJ e da conversa que ainda ecoava na minha cabeça.

Estava quase anoitecendo quando finalmente decidi que não poderia mais adiar o inevitável. JJ estava no canto do quintal, mexendo na fogueira que Pope havia acendido, aparentemente distraído. Tomei um fôlego profundo e fui até ele.

— Ei — comecei, minha voz baixa para que os outros não ouvissem.

Ele ergueu os olhos, e por um momento, vi a sombra daquele mesmo olhar que ele tinha me dado mais cedo, na praia.

— Ei — ele respondeu, como se estivesse esperando por mim.

Fiquei em silêncio por um segundo, tentando encontrar as palavras certas.

— Sobre o que você disse mais cedo... — comecei, hesitante. — Eu não tenho todas as respostas, JJ. Mas acho que, se esse verão nos ensinou alguma coisa, é que a gente não precisa planejar tudo. Às vezes, as melhores coisas acontecem quando a gente simplesmente deixa acontecer.

JJ me olhou por um longo momento, o reflexo das chamas da fogueira dançando em seus olhos. Ele deu um passo à frente, diminuindo a distância entre nós, e eu senti meu coração acelerar.

— Então, vamos deixar acontecer, Kiara? — ele perguntou, a voz suave, mas cheia de uma intensidade que me fazia sentir que o mundo inteiro estava parado ao nosso redor.

Eu não respondi com palavras. Não precisei. Porque naquele momento, o que importava não era o que seria dito, mas o que estava prestes a acontecer.

E quando nossos lábios finalmente se tocaram, soube que, independentemente de onde o futuro nos levaria, aquele verão seria inesquecível.

𝐄𝐍𝐃𝐋𝐄𝐒𝐒 𝐀𝐔𝐆𝐔𝐒𝐓 . . . ʲᶦᵃʳᵃOnde histórias criam vida. Descubra agora