capítulo quatorze

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— Eu não sabia o que estava fazendo, quando soltei o Bipi pelo portão. Não queria que ele tivesse sido atropelado, me desculpa por ter feito aquilo.

Ele resmunga depois de duas latinhas ali, comigo, em silêncio. A mim não incomodaria que ele terminasse de beber e voltasse pro quarto sem dizer uma palavra, mas ele foi atrás de mim pra dizer aquilo, e só disse depois do álcool lhe dar a coragem que precisava

— Não ligo mais pra isso, não odeio você por causa do Bipi, o Bipi é só a desculpa que tenho. E eu pretendia ficar sozinho ou no mínimo em silêncio.

— Ativei em você, alguma coisa muito ruim por causa do que fiz, naquele dia. — o merdinha responde se ajeitando na cadeira de boteco bem antiga e de ferro. Eram 04:15am.

Au já estava desmaiada, então aproveitei pra sair a procura de um álcool no freezer. Após comer o prato que minha mãe fez, e sentar até implorar pra deixá-la descansar, adormeceu em meu peito. Subi pra laje vazia, achando que ela continuaria vazia, mas não.

— Não gosto de você, nunca gostei de você, e não acho que um dia passarei a gostar.

— Por que?

— Não sei, Guilherme. Eu realmente não sei.

— Me diga o que posso fazer pra isso mudar. Qualquer coisa. Cresci com um irmão, quero ter um irmão, nesse momento preciso de um.

— Talvez nascer de novo, mas eu acho que nem isso.

— Não entendo.

— Eu também não. Talvez, toda as vezes que começo a te olhar diferente, algo acontece, como hoje. Tem alguma coisa em você que...

— Talvez a gente consiga descobrir alguma coisa, podemos ir no...

—... no terreiro da tia? Eu sei o que dirão. Que você é uma espécie de dívida cármica que preciso aprender a amar e respeitar. Não quero. Eu não quero entender, não quero te conhecer, não quero ser seu amigo, e não quero aproximação. Quero apenas uma coisa de você, que você passe a fingir que eu não existo. Não precisa ser meu amigo e nem me amar, só respeitar meu espaço estará bom.

— Tem certeza disso?

— Muita. Pode fazer isso?

— Agora. Nem de longe é o que eu queria, mas eu faço isso agora. Você também, a partir de hoje, não existe mais pra mim. E por favor, que seu asco se estenda a meu filho. Nunca mais tome decisões a respeito dele, sem minha autorização, não te pedi para trazê-lo. — se levanta magoado, mas hesita ao me oferecer suas costas. — Aliás, agirei a partir de agora, como você, também. Já que está doendo, também vou usar o que tenho, para fazer você sofrer. Quando você estiver vulnerável, vou fazer com que sua bonequinha saiba que eu não fui o único que você já tentou matar nessa família. Contarei pra ela que meu pai foi o primeiro. Uma mulher como ela não vai querer namorar, menos ainda se casar, com um psciopa...

Ele começa e não consegue terminar. Praticamente pulo a mesa de ferro fundido, e meu alvo é seu pescoço.

— Sabe que não me importaria, se contasse?! Porque se ela não permanecesse comigo depois de descobrir que meti uma faca naquele monstro, enquanto ele dormia, você teria me feito um favor. — falo baixo sem afrouxar minhas mãos em seu pescoço. — Um de seus maiores incômodos é o fato de que a mamãe tornou esse momento, nosso assunto proibido, não foi!? Hum? Se você pudesse, falaria dessa noite todos os dias, não é!? Sabe o que temos de muito diferente, um do outro, João Guilherme? É que eu pelo menos tenho o culhão de admitir que não gosto de você, que te odeio, te desprezo e preferia que tivesse morto. Já você... você sente a mesma coisa, sente até pior, e não diz. Você finge que não me odeia, finge que se importa, finge que é só o maninho mais novo que é desprezado por um erro inocente que cometeu quando criança. Não te odeio porque matou meu gato, eu te odeio porque você foi o meu primeiro erro, o primeiro alvo que não consegui matar, e ele o segundo. Eu era pequeno demais, não sabia que precisava atingir uma artéria. Hoje eu capturo os piores desgraçados nojentos pelo mundo, mas ainda preciso conviver com dois deles. — aperto mais as mãos, e as suas se afrouxam em meus braços. — É, de hoje não passa, hoje eu consigo te mandar pro inferno e ele é o próximo.

I N C Ó G N I T A - ContoOnde histórias criam vida. Descubra agora