João Pedro

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Parte um


— O que ela escreveu dessa vez?! — Félix levanta meu copo para olhar. — Ela nunca vai te elogiar de outro jeito. Jamais vai desistir, mas tem zero criatividade. Se bem que se continuar teimosa, talvez um dia consiga.

Enquanto os babacas tentavam cuidar da minha vida, por uns dois segundos que foi até onde deixei, — meu silêncio sempre os deixou sem graça — eu analiso o esquisito que adentrou o café, segundos atrás. Eu sempre sentia cheiro de roubada quando eu colocava os olhos em uma. Mas não... nunca vi o rapaz em lugar algum ou me lembraria, só o achei esquisito mesmo, mal encarado. Era implicância. E sim, eu era bem implicante com quem meu santo não batia.

O rapaz de cara fechada, cavanhaque, e sobrancelhas tortas, se senta na mesa à nossa frente, lá perto da porta, e como todo imbecil que adentrava aquele café enquanto Aurora estava nele, deposita seu olhar intrigante em minha... amiga. Ele parece gostar do que vê, mas logo passa a dar atenção a seu aparelho celular. Não tinha uma identificação do hospital como a maioria dos clientes daquele café, aqueles adesivos colados na blusa, então não era acompanhante de nenhum paciente...

Pare, João... é só um cliente...

Me lembro naquele momento de uma vez que um deles, — cliente abusado — teve a audácia de se aproximar da mesa dela puxando assunto, numa vez que a peguei aqui em seu horário de almoço. A pergunta aquele dia foi "se você fosse um, dos sete pecados, qual seria?", ela respondeu "ah, talvez soberba, acho..." e eu respondi 'ira' sem ter a coragem de responder 'luxúria' e talvez deixá-la constrangida. Assim que concordamos com as respostas, vim tomar meu café, e um zé mané se aproximou cheio de sorrisos. Quis me levantar e atrapalhar, e até perguntar o que era que ele queria, no dia seguinte, mas não consegui. A única certeza que eu tinha era que o imbecil a paquerava, mas obviamente que eu não disse nada, afinal... Aurora Montes, a hematologista do hospital localizado ao lado do meu departamento, não era nada minha.

— É, então... — Caio, o meu colega investigador, parceiro profissional, e também melhor amigo de infância, murmura quando Félix e Samuel, decidem ir a algum lugar fazer alguma coisa que eu não tinha escutado, antes de retornarem para a delegacia.

— Tô de boa. — ele ri de mim ainda fitando-a junto comigo.

— Quando chegará na mulher? — bebo um gole do café e nego.

— Somos somente amigos.

— Tá. Quando ela aparecer de aliança vai chorar igual um bebê...

— Ela é de boa. Não é de namorar. É traumatizada na verdade, o último relacionamento fez um estrago nela.

— Conversaram? Ela contou isso?

— Não. Não precisou, eu só sei.

— Claro. O jogo que você inventou de formular perguntas aleatórias e que ela ainda não notou que é só para saber mais a seu respeito.

— Não foi bem por isso que inventei, mas... — ele ri. — sim, ele ajuda, e ela... é inocente, claro que não acha que só faço perguntas para tirar informações, acha que é só uma simples brincadeira entre amigos e é exatamente isso. É isso. — nega querendo rir mais. — ela é... perfeita. É respeitosa, inteligente pra caralho, e pelo o que dizem, a melhor hematologista do hospital, já eu...

—... você é gente boa e foda no que faz. Ao contrário de mim e de mais oitenta por cento daquele departamento, é um cara que é fiel quando se relaciona, respeitador, é do tipo que vai levá-la para conhecer a dona Joice... seria uma boba se não te desse uma chance!

I N C Ó G N I T A - ContoOnde histórias criam vida. Descubra agora