Énouement - 2

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Dizem que a solidão é cruel, que ela pode te matar. Sabe, não é que seja mentira, mas tudo possui lados distintos. O que está depois da primeira impressão é, muita das vezes, o que vai mudar sua vida para sempre.

É necessário muita coragem; mudar não é necessariamente algo positivo, mas se dar o benefício da dúvida te faz mais miserável do que se caso você falhasse. É ter o não e correr atrás do sim.

Eu entendo como funciona, pode apostar! Vivi isso por dezenove anos.

Mas ninguém muda sem um porquê, sem uma chave de virada ou simplesmente um cara de quase dois metros que vai colocar à prova tudo que você acreditou por anos, te desafiando até que, por si mesmo, você perceba que existe uma possibilidade para a liberdade.

O Riki é o meu porquê.

Sendo extremamente sincero, eu quase me matei quando ele me encontrou dançando sozinho naquela sala. Sempre foi perigoso ceder aos meus desejos, e, apesar disto ter uma imensa ligação com meus pais, não era por causa deles, e sim minha; naquele dia eu vi que tinha passado do limite.

Dançar é a minha maior paixão desde que eu consigo me lembrar. Das três memórias de infância que tenho vagando pela minha mente, a dança é a única que vale a pena guardar, e também a única que nunca floresceu até que eu conhecesse ele.

Antes de Riki eu vivia em recaídas, tentando fingir que se eu me permitisse tentar um pouco não iria me deixar mergulhar de cabeça e, consequentemente, criar um problema com meus pais. Eu estava me enganando. 

Virou um vício realizar meus desejos sufocados sem que ninguém soubesse e como se eu não estivesse ciente também. De alguma forma, nessa vida que contrariava minhas próprias regras, eu acabei parando naquela sala, e Riki também.

Quando ele me viu ali, foi como se as cortinas que cobriam minha covardia tivessem sido arrancadas brutalmente. Eu estava com medo; tinha ido fundo demais, passado do limite, cruzado a linha, e agora minha frustração comigo mesmo era um problema real, mesmo que não tivesse capacidade de lidar.

Piorou quando ele foi atrás de mim. Não consigo nem contar quantas vezes me odiei pelos míseros segundos de atenção que eu lhe dei durante suas tentativas de arrancar a única resposta que eu jamais poderia lhe dar naquele momento: eu danço.

Era uma luta de dois contra um: Riki e meu sonho contra o trauma instalado na minha cabeça. Foi completamente sufocante se dar ao trabalho de fingir que ele não estava ali, aliado ao fantasma que me perseguiu a vida inteira, e eu explodi.

Gritei na cara dele todas as palavras que eu desejava serem verdadeiras e chorei trancado em meu quarto logo depois por saber que elas não se passavam de uma dolorosa mentira. Pensei que após esse episódio eu só precisaria lidar com a mágoa em meu coração, mas a vida me atingiu com sua maior arma: esperança. Foi um golpe tão baixo.

“Me desculpa. Foi muito mal educado da minha parte ficar te incomodando. Pra ser sincero, eu não sei porquê você é tão distante ou porque ficou com tanta raiva da minha pergunta, mas isso não é importante; não justifica meu incômodo. Eu só achei… achei que sua dança era boa demais pra você ser um cara chato. Me desculpa, mesmo.”  Eu ainda consigo escutá-lo dizer.

Me lembro de sorrir, sem querer, e sua expressão ser tão chocada que me fez perceber o que havia feito de imediato.

Precisei de um tempo para entender a origem do efeito que suas palavras causaram em mim, e ainda dessa forma continuava confuso. Hoje eu entendo: Riki me entregou o poder de escolha, mesmo sabendo que eu provavelmente iria contra a vontade dele.

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