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Enquanto a gente se afastava do barulho e das luzes do acampamento, Boris fez uma pequena fogueira em um lugar escondido, onde nenhuma das monitoras poderia nos ver. O fogo crepitava baixo, lançando faíscas laranja que se perdiam no ar frio da noite. Nos sentamos em uma árvore caída, o tronco duro servindo de banco improvisado, e o silêncio ao redor parecia uma pausa bem-vinda para todos os pensamentos e preocupações que me cercavam nos últimos dias.

— Quando a gente for embora daqui... — comecei, a voz saindo quase num sussurro. Eu olhava para as chamas, tentando não parecer tão nervosa quanto estava. — Eu tava pensando, quer sair?

Boris ergueu os olhos para mim, o reflexo da fogueira dançando neles, fazendo-os parecer ainda mais brilhantes. Um sorriso se abriu em seu rosto, e ele deixou escapar um som abafado, quase uma risadinha.

— Quero — respondeu, e eu podia ver que ele realmente gostava da ideia. — Mas aonde?

Eu sorri um pouco mais confiante, mas mantive o tom casual, fingindo que não estava tão ansiosa pela resposta dele.

— Eu gosto de ir na biblioteca.

Boris soltou uma risada, uma daquelas que fazia a gente se sentir leve. Ele passou a mão pelos cabelos de um jeito despreocupado, e o jeito dele parecia fazer tudo parecer um pouco menos complicado.

— Certo — disse ele, rindo de novo. — Mas eu escolho o lugar.

Revirei os olhos, mas não consegui evitar uma risadinha. Aquele momento ali, escondidos, longe de todos, parecia um mundo à parte.

O silêncio voltou, mas era um daqueles confortáveis. Ficamos os dois olhando a fogueira, vendo as brasas se formarem e se desfazerem, como se o tempo tivesse desacelerado só para a gente. A chama iluminava o rosto de Boris de um jeito que o deixava ainda mais bonito, os contornos das suas feições suavizados pela luz dançante.

Depois de um tempo, criei coragem para dizer algo que estava preso na minha garganta desde que o conheci.

— Pensei que você não fosse com a minha cara — falei de repente, sentindo a ponta dos meus dedos fria pelo ar noturno.

Boris levantou as sobrancelhas, surpreso, e depois riu, inclinando um pouco a cabeça para o lado.

— Sério?

— É — eu disse, encolhendo um pouco os ombros. O frio começava a entrar por debaixo do meu casaco, mas a presença dele me aquecia um pouco. — No ônibus, lá no primeiro dia... você parecia meio distante.

Ele deu de ombros, parecendo um pouco envergonhado agora, como se fosse difícil admitir algo para mim.

— Eu fiquei nervoso — confessou, a voz mais baixa do que antes. — Não é todo dia que a garota mais gatinha da escola fica perto de mim.

Eu ri, mas não consegui evitar que minhas bochechas ficassem quentes. Senti meu coração bater mais rápido, de um jeito que não era só por causa do frio ou da corrida até ali. Olhei para ele de soslaio, e o vi coçar a nuca, tentando disfarçar a timidez. Ele sempre tinha um jeito descontraído, mas ali, no brilho da fogueira, parecia que havia algo mais profundo em seus olhos, algo que eu não tinha percebido antes.

— Você é muito bobo — murmurei, um sorriso tímido brincando nos meus lábios. Mas o sorriso logo sumiu, e meu peito se apertou de novo, como sempre acontecia quando eu pensava nos olhares das outras pessoas, nos cochichos, nas coisas que diziam sobre mim.

— Eu só... sei lá, tenho a sensação de que todos me odeiam — falei, e dessa vez minha voz tremeu um pouco. As palavras saíram antes que eu pudesse segurá-las, e me encolhi um pouco, me arrependendo quase instantaneamente de ter dito aquilo.

Boris me olhou de um jeito que eu nunca tinha visto antes, um olhar firme, que parecia tentar enxergar além da fachada que eu colocava para o mundo. No fundo, eu sabia que ele sabia, que ele entendia do que eu estava falando. Todos sabiam. Mas, com ele, era diferente. Com ele, eu sentia que talvez, só talvez, eu pudesse ser mais do que os boatos que me cercavam.

Desviei o olhar para a fogueira, tentando fugir daquela intensidade.

— Esquece — murmurei, forçando um sorriso. Não queria estragar aquele momento.

Mas ele não desviou, não aceitou minha tentativa de mudar de assunto. Boris balançou a cabeça, determinado, e eu senti que ele estava ali de verdade, disposto a me ouvir, a me entender. Isso fazia com que meu coração batesse ainda mais rápido, como se ele pudesse enxergar além de tudo o que eu tentava esconder.

— Depois dos boatos... eu... — minha voz fraquejou, e eu senti que tinha acabado de estragar tudo. Falar em voz alta parecia tornar aquilo ainda mais real, mais doloroso.

— S/N — ele me chamou, e a forma como ele disse meu nome me fez olhar para ele de novo. Havia algo ali, uma urgência, um pedido para que eu confiasse nele. — Eu tô pouco me fodendo pra esses boatos.

Eu senti meu peito apertar, e a respiração ficou presa. Aquelas palavras, tão simples e diretas, me atingiram como um soco, e era quase como se ele tivesse aberto uma janela dentro de mim para deixar entrar um pouco de ar fresco. A fogueira lançava sombras no rosto dele, mas eu conseguia ver que Boris estava sendo sincero, e aquilo me deixou mais vulnerável do que eu gostaria de admitir.

— E eu percebo o quanto isso te magoa — ele continuou, e sua voz estava carregada de algo que eu não sabia que ele era capaz de sentir. Ele olhou para cima, tentando segurar a emoção. — As pessoas são cruéis, sabe? E você não merece passar por isso.

Minha visão ficou embaçada por um momento, e eu tive que piscar algumas vezes para afastar as lágrimas que ameaçavam cair. Boris me olhava como se visse algo em mim que nem eu mesma conseguia ver, como se estivesse tentando encontrar as partes de mim que eu já tinha quase esquecido. Ali, diante do fogo, eu me senti exposta, mas de um jeito que não era assustador. Era como se ele enxergasse a minha alma.

Eu queria dizer alguma coisa, agradecer, explicar o quanto aquelas palavras significavam para mim, mas antes que eu pudesse abrir a boca, ouvi um grito vindo da escuridão.

— Ei! Vocês dois!

Eu e Boris trocamos um olhar assustado, e por um segundo, parecia que estávamos conectados pela mesma vontade de sair correndo. A luz da lanterna da monitora atravessava as árvores, e eu sabia que não tínhamos muito tempo. Boris segurou minha mão, e senti um aperto firme que me fez esquecer o medo por um segundo.

— Corre! — ele sussurrou, e eu não pensei duas vezes.

Nos levantamos de uma vez, os dois correndo para longe da luz, afastando-nos da fogueira enquanto ríamos baixinho, tentando abafar o som para não nos entregarmos. As folhas secas esmagavam sob os nossos pés, e o frio da noite batia em nossos rostos enquanto a adrenalina nos empurrava para longe daquele momento que quase foi nosso.

E mesmo que eu estivesse fugindo, sentia uma estranha sensação de alegria pulsando em cada passo, como se, por um instante, a tristeza tivesse ficado para trás, perdida na escuridão da floresta.

𝐜𝐡𝐚𝐫𝐦! boris pavlikovskyOnde histórias criam vida. Descubra agora