Boris e eu ainda estávamos ofegantes pela correria, o ar frio da noite batendo nos nossos rostos, fazendo a adrenalina que ainda corria em nossas veias parecer um pouco mais intensa. As sombras das árvores ao redor dos dormitórios se esticavam sob a luz fraca dos postes, e tudo ao nosso redor parecia congelar por um instante, exceto nossas respirações aceleradas e os risos contidos que ainda escapavam de vez em quando.— Você tá bem? — Boris perguntou, limpando as folhas grudadas na sua roupa e nos cabelos. Ele estava todo sujo de lama e com o rosto vermelho pelo esforço. Ele tinha caído duas vezes.
Eu soltei uma risadinha, ainda me recuperando. — Sim, eu tô. E você? — Falei, esfregando as mãos nos braços para tentar espantar o frio que se infiltrava no tecido úmido da minha roupa.
— Achei divertido, na verdade — ele disse, com um sorriso sarcástico, tentando recuperar o fôlego enquanto olhava para mim. Seus olhos brilhavam, como se aquela aventura tivesse sido a coisa mais empolgante da noite.
— Que bom, porque eu quase morri de medo — respondi com um sorriso de canto, revirando os olhos, mas não conseguindo esconder a diversão que também estava sentindo. Havia algo na espontaneidade daquele momento que fazia tudo parecer mais leve, mais simples.
Algumas garotas passaram por nós, lançando olhares curiosos, e eu podia ouvir seus sussurros abafados enquanto nos olhavam, analisando nossa aparência desgrenhada.
Estávamos cobertos de lama e folhagens. Elas riam baixinho, como se estivessem assistindo a uma cena engraçada que não deveriam, e eu senti o calor subir ao meu rosto, embora não fosse de vergonha, e sim de uma estranha felicidade que me tomava naquele instante.
Boris olhou de volta para as garotas, mas logo desviou o olhar, fixando-o no chão por um segundo antes de me encarar de novo, com um ar um pouco mais sério. — Preciso voltar — disse ele, a contragosto, olhando em direção ao dormitório masculino. — Fazem inspeção no quarto, e se eu não estiver lá...
Eu assenti, sentindo um peso no peito por vê-lo ir. A noite parecia mais fria de repente, e o vento soprava com mais força. — Tudo bem. Eu... também preciso entrar — disse, tentando disfarçar o tom desapontado na minha voz.
Ele hesitou por um momento, como se não quisesse realmente ir embora, e deu um pequeno passo para mais perto de mim. Seus lábios tremiam um pouco, talvez pelo frio, ou talvez pela hesitação de dizer algo a mais. — Podemos nos ver amanhã?
Senti um calor percorrer meu rosto e sorri, tentando manter a voz casual. — Claro. Quer que eu vá ver você jogando esgrima? — Perguntei, em tom de brincadeira.
Boris riu de verdade dessa vez, e o som foi abafado, mas genuíno. Ele coçou a nuca, visivelmente corado, e deu um pequeno passo para trás, como se estivesse tentando se afastar da intensidade do momento. — É tudo o que eu quero — ele respondeu, com um sorriso brincalhão em seus lábios.
Soltei uma risada baixa, balançando a cabeça. — Certo então. Até amanhã, Boris.
— Até amanhã, s/n. — Ele sorriu, mas havia algo mais suave e contido no olhar dele agora, uma tristeza quase imperceptível que me fez querer estender a mão e segurá-la por um segundo mais.
Mas antes que eu pudesse me decidir, ele deu meia-volta e começou a se afastar, lançando um último olhar por cima do ombro.
Eu fiquei ali, olhando para ele desaparecer na direção do dormitório masculino, e senti uma vontade súbita de abraçá-lo. Mas as palavras ficaram presas na garganta, e meus braços permaneceram imóveis ao lado do corpo. Talvez ele não gostasse de abraços, talvez aquele gesto fosse longe demais para um momento como aquele.
Depois que Boris sumiu de vista, voltei minha atenção para o meu dormitório, subindo os poucos degraus da entrada. A porta rangeu quando a empurrei, e o calor do ambiente contrastou imediatamente com o ar gelado lá de fora.
Ao entrar, notei que as outras meninas estavam lá, espalhadas pelos beliches, conversando entre elas.
Quando eu passei pelo corredor, algumas delas pararam de falar por um segundo, e senti seus olhos caindo sobre mim. Eu devia estar uma visão engraçada: os cabelos embaraçados, o rosto sujo de lama e as roupas cobertas de folhas e terra.
Eu tentei ignorar os sussurros e risinhos abafados que surgiram quando passei por elas, mas era impossível não sentir o incômodo crescendo no peito.
Ouvi uma delas comentar baixinho, mas o suficiente para que eu captasse as palavras. — Aposto que estava...
— Com o soviético — outra garota terminou, e um riso malicioso percorreu o quarto.
Mantive a cabeça baixa, tentando controlar a vergonha que subia pelo meu rosto.
As palavras delas eram como um espinho que eu não conseguia tirar, e eu sabia que, no fundo, elas não precisavam saber o que havia acontecido para criarem as suas próprias versões. Como sempre.
Caminhei até o meu armário e peguei uma toalha limpa e o pijama. Eu só queria tirar toda aquela sujeira e o frio do corpo, e, talvez, esquecer por alguns minutos os olhares . Assim que entrei no banheiro, fechei a porta atrás de mim, sentindo o som abafado das conversas diminuírem. Liguei o chuveiro, deixando a água quente escorrer pelo meu rosto e corpo, tentando afastar tudo o que havia acontecido naquela noite.
Mas, por mais que tentasse, não conseguia apagar o sorriso de Boris da minha mente, nem o som da risada dele, ainda ecoando baixinho como uma promessa de algo que poderia ser.
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𝐜𝐡𝐚𝐫𝐦! boris pavlikovsky
Ficção Adolescentedurante um verão que deveria ser uma fuga dos últimos acontecimentos, você embarca em um acampamento escolar, esperando passar os dias e noites com tranquilidade. tentando deixar o passado para trás, você conhece um garoto excêntrico, fã dos filmes...