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— Sentindo falta de casa? — A voz de Boris cortou o silêncio, como se tentasse puxar algo de dentro de mim que eu não tinha forças para entregar. Levantei o rosto devagar, cada movimento parecendo pesado demais, como se até respirar já me consumisse.

Engoli em seco, o nó na garganta crescendo, sufocante. — Não é isso.

Claro que era. Mas também não era só isso. Era um cansaço que ia além do físico, uma solidão que parecia devorar tudo ao meu redor. Um vazio que eu já tinha desistido de tentar preencher.

— Sei... — O sorriso de canto que ele deu foi quase imperceptível. Havia algo nele que parecia desdém, mas sem crueldade. Era mais uma espécie de entendimento, como se ele soubesse o que eu estava sentindo, mas não soubesse o que fazer com aquilo.

Desviei o olhar, envergonhada pela minha própria fragilidade. Meus olhos inchados, as lágrimas secas na pele. As folhas amassadas sob meus pés, esquecidas e espalhadas, pareciam a personificação do caos dentro de mim.

— Sou o Boris — ele disse de maneira despretensiosa, como se isso explicasse a razão de estar ali. O garoto magro, de cabelos bagunçados e olhar distante, tinha uma aura estranha de familiaridade. Havia algo nele que parecia tão fora de lugar quanto eu, mas ele parecia confortável nesse desconforto.

Ele nunca falava com ninguém. E agora estava aqui, do meu lado. Por quê?

— Eu sei quem você é. — Minha voz saiu baixa, trêmula, quase um sussurro. Tentei sorrir, mas o gesto morreu antes de chegar aos olhos.

Ele me olhava fixamente, como se tentasse enxergar além do que estava à vista. Os cachos caindo sobre a testa, sem que ele se preocupasse em afastá-los, enquanto eu lutava para manter a respiração sob controle. Havia algo no olhar dele que me deixava exposta, mais do que eu estava preparada para estar.

— Sou a S/N. — Minha voz falhou, mas consegui dizer.

Ele sorriu, uma expressão tão sutil que parecia apenas um reflexo de um pensamento que não compartilhava.

— Sei quem você é. — A resposta veio suave, como se fosse um segredo guardado entre nós dois.

O silêncio se instalou de novo, denso, mas não desconfortável. Era o tipo de silêncio que parecia ser tudo o que restava, como se as palavras já não fossem suficientes. Boris não era quem eu pensava. Havia algo nele, uma profundidade que, de repente, parecia ressoar com a minha própria.

— Não acredito que vou passar as férias aqui — ele disse, quase como se falasse para si mesmo, o peso de suas palavras refletindo o meu.

Eu suspirei, sentindo o cansaço de tudo o que não era dito. — É... — Soltei uma risada curta, sem vida. Ela desapareceu no ar como se nunca tivesse existido.

— Como você queria que elas fossem? — perguntei, não por curiosidade, mas talvez porque não sabia o que mais dizer.

Ele deu de ombros, os olhos perdidos em algum ponto longe demais para eu alcançar. — Não sei. Talvez... só ficar em casa. Assistir uns filmes, fumar maconha, andar de skate. Nada demais. Só... sozinho.

Havia uma tristeza no que ele não disse, no que preferiu deixar de fora. Algo que, mesmo nas férias, parecia ter fugido dele.

— E você? — Ele virou a cabeça, os olhos me buscando. — O que queria?

— Eu só... — Respirei fundo. — Queria não me sentir tão sozinha.

A confissão saiu antes que eu pudesse segurar. E olhando para Boris, senti que estava tudo bem em admitir.

Ele não respondeu de imediato, mas assentiu, como se entendesse exatamente o que eu estava tentando dizer. O som dos outros adolescentes se movendo ao redor parecia distante, um eco que mal alcançava a realidade em que estávamos presos.

— É estranho — ele quebrou o silêncio, a voz baixa. — Como você pode estar rodeado de gente e ainda assim se sentir... sozinho.

Me virei para ele, surpresa com a sinceridade nas palavras.

Ele soltou uma risada breve, vazia. — Acho que é por isso que prefiro estar sozinho. Pelo menos assim, a solidão faz sentido.

Aquelas palavras me acertaram em cheio. Eu fugia da solidão, buscava companhia para tentar preencher o vazio. Ele, por outro lado, parecia abraçá-la, como se ela fosse a única constante em sua vida.

E, de algum jeito, isso fez a minha própria dor parecer um pouco mais leve.

𝐜𝐡𝐚𝐫𝐦! boris pavlikovskyOnde histórias criam vida. Descubra agora