ponto de vista por Patrick.
O clima na casa estava tenso, pesado como o silêncio que ecoava pelos cômodos desde que S/N foi embora. Ninguém falava sobre isso, mas o sumiço dela pairava sobre nós, como uma sombra que nos seguia onde quer que fôssemos. Meu pai, sempre com seu semblante fechado e sério, estava prestes a sair para um almoço político.
Ele havia comprado um terno para mim, me preparando para entrar no mundo dele. Eu nunca quis ser parte disso, mas agora não havia como escapar. Desde que S/N sumiu, meu pai parecia mais determinado do que nunca em me envolver nos seus jogos de poder. Como se, de alguma forma, isso fosse consertar o que estava errado. Minha mãe estava na minha frente, amarrando a minha gravata com mãos trêmulas. Ela não dizia muito ultimamente, mas quando o fazia, era quase sempre sobre minha irmã. Sua ausência estava corroendo a todos nós.
— Queria que sua irmã voltasse — ela sussurrou, seus olhos fixos no nó da gravata, como se as palavras fossem difíceis demais para serem ditas enquanto me olhava nos olhos.
Senti um nó na garganta, respirei fundo, mordendo os lábios. Eu sabia que ela não voltaria mais, pelo menos não da mesma forma. A culpa pelo que eu fiz, pelo que aconteceu naquela floresta, estava me consumindo, queimando por dentro.
— Ela merece isso — murmurei, mais pra mim do que pra ela, mas minha mãe ouviu.
Ela parou, sua mão congelando no tecido, e me lançou um olhar de reprovação, o tipo de olhar que faz você se sentir pequeno, como se tivesse falhado de alguma maneira profunda e irreparável.
— Não, ela não merece.
Eu não respondi. O que poderia dizer? Não tinha como explicar, não naquele momento, não agora. O que aconteceu era um segredo que eu carregava sozinho.
Tudo começou no acampamento. Naquela noite, eu estava meio afastado dos meus amigos, mexendo no celular. S/N e o namorado dela, aquele cara com quem eu nunca consegui me dar bem, estavam olhando as estrelas. Entre risadas abafadas e olhares que deixavam claro o que ia acontecer, eles se afastaram do acampamento, achando que ninguém iria perceber. Mas eu percebi.
Eu estava puto, não pelo que eles iam fazer, mas pela maneira como ela agia, como ela tinha me deixado sozinho. Como se a nossa relação, que nem era das melhores, simplesmente não existisse mais. No impulso, os segui, mantendo uma distância suficiente para não ser notado, até que os vi se enfiando na parte mais densa da floresta.
Peguei o celular. Não sei o que estava pensando, talvez uma parte de mim quisesse vingança. Eu queria que ela se sentisse humilhada como eu me sentia naquela família. Queria que soubesse que agora ela era insignificante para mim, assim como eu invisível para ela. Quando vi os dois se beijando, sem o mínimo de discrição, comecei a gravar.
O que aconteceu depois foi rápido. Eles foram para o chão, e eu gravei tudo. Não foi uma decisão pensada, foi só... raiva. Uma raiva que eu não conseguia controlar.
Eu não ia postar, não era essa a intenção. Mas, no calor do momento, com o coração batendo forte e a adrenalina me cegando, fiz. Publiquei o vídeo num grupo privado, achando que ia ficar ali, que seria algo que só os mais próximos veriam e comentariam. Mas não ficou. O vídeo saiu, e de repente, o que era pra ser uma vingança pequena, um desabafo estúpido, virou uma coisa muito maior.
E a partir daí, tudo mudaria.
— Filho, não aborreça o seu pai. Faça com que não saia de controle — minha mãe falou com aquela calma tensa que me fazia estremecer por dentro.
Eu estava parado diante do espelho, ajeitando o terno novo que meu pai comprou, tentando parecer que tudo estava sob controle, mas sentia meu estômago revirando. Era como se todo aquele peso, toda aquela tensão que pairava sobre a casa desde o desaparecimento de S/N, estivesse me engolindo. Meu pai, implacável em sua imagem pública, estava prestes a enfrentar mais ataque político. Mas os rumores... eles estavam se espalhando. E eu sabia que, em algum momento, o nome dela seria trazido à tona.
— E se falarem dela? — perguntei, a voz mais baixa do que eu pretendia. O nome de S/N mal era mencionado em casa, como se evitá-lo pudesse manter a verdade longe, como se o silêncio fosse uma barreira contra a realidade. Mas lá fora, entre os políticos, os aliados e os inimigos do meu pai, as coisas eram diferentes. Eles gostavam de explorar fraquezas. E o sumiço da minha irmã nos eventos da família era uma fraqueza grande demais para ser ignorada.
Minha mãe parou de arrumar a minha gravata por um segundo, respirando fundo. Seus dedos, antes firmes, ficaram trêmulos, mas ela continuava com o olhar fixo no tecido, como se amarrar aquela gravata fosse a coisa mais importante do mundo.
— Ignore — ela disse, o tom tão decidido quanto frágil. — Como sempre fazem.
As palavras dela me atingiram como um tapa. Ignore. Como sempre fizemos. Fingir que o que aconteceu com S/N não nos afetava, como se pudéssemos simplesmente apagar o que houve. Era isso que meus pais queriam que eu fizesse, que todos fizéssemos: fingir que tudo estava bem. Mas a culpa que eu carregava não me deixava esquecer.
Eu não podia ignorar. A verdade era que cada olhar de estranhos na rua, cada cochicho nas reuniões de família, tudo me lembrava do que eu fiz. E agora, com a pressão do almoço, eu sabia que o nome de S/N poderia ser a faísca que transformaria o dia em um desastre. O problema é que meu pai precisava de mim, precisava que eu mantivesse as aparências. A mesma imagem de uma família unida, sem escândalos, que ele construía tão cuidadosamente.
— Você sabe que eles vão falar. — Minha voz soou tensa, quase como um pedido de socorro. — E eu vou estar lá, de frente pra eles, sabendo que... — Minha voz falhou. Não consegui completar a frase. Sabendo que tudo isso era culpa minha.
Minha mãe não respondeu de imediato. Ela terminou de ajustar a gravata, seus dedos finalmente soltando o nó com uma delicadeza cuidadosa. Só então ela levantou os olhos para mim, e eu vi a dor ali, escondida atrás de um semblante que tentava ser forte.
— Patrick, escute bem. — Sua voz era baixa, quase um sussurro, mas carregava uma gravidade que me fez prender a respiração. — Nós estamos lidando com isso à nossa maneira. Você precisa fazer o mesmo. Não é só sobre você ou sua irmã. É sobre todos nós.
Havia uma desesperança ali, misturada com a tentativa de manter o controle, de proteger algo que já estava desmoronando. Ela sabia, assim como eu, que não havia como manter essa fachada por muito mais tempo. As perguntas, os rumores, tudo iria nos alcançar. Mas até lá, minha mãe parecia disposta a manter a ilusão viva, custe o que custar.
— Faça o que seu pai precisa que você faça. Mostre força. E não deixe que falem de S/N como se ela fosse um erro.
Eu não sabia o que dizer. Apenas assenti, sentindo o peso de tudo o que ela esperava de mim. O terno estava apertado, sufocante, e cada passo em direção àquela noite parecia me arrastar para mais fundo no buraco que eu mesmo cavei.
Mas, como sempre, eu ignorei. Como todos nós fazíamos.
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𝐜𝐡𝐚𝐫𝐦! boris pavlikovsky
Ficção Adolescentedurante um verão que deveria ser uma fuga dos últimos acontecimentos, você embarca em um acampamento escolar, esperando passar os dias e noites com tranquilidade. tentando deixar o passado para trás, você conhece um garoto excêntrico, fã dos filmes...