LAR DO ABANDONO

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Cassandra levantou as pálpebras para aquele novo dia e imediatamente seus sentidos identificaram o aroma da comida, que escapava de um dos ambientes para preencher o outro. Ovos mexidos. O estômago roncou e a cabeça latejou de dor, em uma dupla de reações corporais flagelantes. Não bebeu para perder os sentidos, era fato, mas tinha misturado o consumo de cerveja e cachaça, baratas. Rogério ouvia a banda Djavú em volume baixo, e rebolava enquanto mexia a colher de silicone em sua frigideira. A vontade de Cassandra era de quebrá-lo de tanto bater, porém segurou a emoção. Não podia, sob hipótese alguma, colocar o carro na frente dos bois, ou estragaria toda uma investigação. Anos de trabalho árduo.

— Bom dia. — Disse com a voz rouca e expressão feia de quem dormiu mal. Não precisou se esforçar naquela encenação, pois realmente não teve a melhor noite de sono.

Segurou o nojo enquanto olhava a face de Rogério, lembrando-se de que ele vendera conteúdo pornográfico de seu corpo supostamente vulnerável.

— Bom dia, flor do dia! — Rogério riu um pouco. Estava de excelente humor. — Tudo certo?

— Não... Estou com a garganta seca. — Cassandra respondeu com a voz um pouco rascante. — Meu Deus do céu, o trem está feio.

— Tem água na geladeira e suco também. Fica à vontade, a casa não é sua, mas também não é minha. — Rogério claramente carregava a graça do mundo naquele momento.

Cassandra concentrou nos músculos da face toda a força de seu ser para esboçar um sorriso mínimo. Caminhou pela cozinha, onde pegou um copo de vidro e se serviu de água gelada.

— Então... — Ela limpou a garganta e imprimiu um tom casual em sua voz já normalizada. — O que vai fazer hoje?

— Vou no projeto de uma Organização Não Governamental... Eu às vezes passo por lá porque já trabalhei aqui. — Rogério contou, um pouco reticente. Parecia que estava selecionando palavras e memórias para conceder para Cassandra o mínimo de detalhes sobre o passado.

— Conte mais... Filantropia parece ser a sua grande paixão. — A investigadora instigou.

— É apenas um lar de acolhimento para crianças carentes, que fica em uma região da cidade que é menos favorecida.— Estava cheio de tato ao dizer. — Não é turístico, sabe.

— Interessante. É como um orfanato? — Cassandra arriscou levar o assunto adiante.

— Algo assim... — Ele desviou o olhar.

— Você vai sozinho? — A mulher questionou.

— Elif vai comigo. — Rogério sorriu para Cassandra com alguma malícia, transmitindo uma mensagem subliminar um tanto óbvia. — Gostou dele?

— Bastante. Sei lá, por um momento vi a oportunidade de rasgar o mundo no peito. Conhecer novos ares. — Cassandra deu corda. — Por que ele vai com você?

— Por que não iria? — Rogério pareceu incomodado.

Cassandra tratou de falar logo para ele não pensar mais do que deveria.

— É que, ele é estrangeiro. Por isso estranhei. — Ela tomou um grande gole de água.

— Sim, mas ele faz muitas doações lá. É bem interessado em ajudar. — Rogério disse depois de erguer as duas sobrancelhas, como se tivesse chegado à grande conclusão de que ela era apenas curiosa.

— Que coração bom. — Cassandra sorriu. — Será que a estrela da sorte está mesmo brilhando para mim, Rô?

— Com certeza, Samara. Aproveite o quanto puder. — Ele aconselhou com ares de velho amigo.

Assassinato no Parque Brito (postando)Onde histórias criam vida. Descubra agora