Cassandra estacionou o carro sedã, preto e discreto, na frente da larga calçada da serralheria. Ela não andava em uma viatura, porque chamar atenção para si não combinava com as funções primevas de seu cargo. O lugar era um grande galpão, muito alto, que contava apenas com andar térreo. Ocupava uma quadra inteira. Por dentro era dividido em setores, começando pela recepção e terminando no descarte de materiais. Ficava à beira de uma rodovia, quase fora da cidade, perto do Conjunto Estrela D'Alva, bairro oposto ao ponto onde se localizava o Parque Brito. Exatamente do outro lado da cidade.
A recepção era pequena, com piso de porcelanato em tom de cinza, paredes em tons de ocre e palha, com dois quadros abstratos de pequeno porte em um canto de parede, acima de uma mesa de aço forrada com toalha de renda branca, onde repousavam garrafas térmicas de chá e café, ao lado de um filtro de água com galão azul cujo conteúdo estava pela metade. O filtro tinha duas torneiras, sendo uma que fornecia água em temperatura natural/ambiente e a outra que dava ao usuário algo como uma quota do Ártico em forma de líquido. Água trincando de gelada, como diziam. Acima do filtro, na parede, havia dois suportes para copos descartáveis de tamanhos diferentes, respectivamente, de cinquenta mililitros e duzentos mililitros, todos de plástico PP, brancos. Ao lado do balcão da recepção havia uma porta que dava acesso a um escritório, onde as funcionárias - todas mulheres cis, jovens, loiras, naturais ou não - cuidavam das burocracias.
Através de uma pequena fresta de vidro na parede, atrás do balcão, era possível contemplar a vasta extensão do galpão, onde homens de todas as idades trabalhavam dando forma aos materiais. Podia-se pensar naquele vidro como uma vitrine para a ordem e excelência do serviço. Via-se algumas máquinas modernas, e outras nem tanto, sendo operadas por humanos uniformizados, transmitindo a sólida certeza de que no final do dia o trabalho seria entregue. Pilhas de material para uso imediato estavam encostadas nas paredes.
— Bom dia, senhora. Em que posso ser útil? — Disse a jovem da recepção, que usava camisa de uniforme, de linho, com mangas longas abotoadas nos punhos, preta, tendo o nome do local bordado em branco e o dela logo abaixo na mesma tipologia. Alguns botões da camisa estavam abertos, deixando entrever o início dos seios de discretos pelos arrepiados como resposta ao frio, já que o ambiente estava gelado pela refrigeração.
— Procuro pelo proprietário, o senhor Sebastião da Silva Bueno. — Cassandra falou de forma profissional, como se fosse uma cliente em potencial.
— Sinto muito, senhora. O senhor Sebastião viajou a trabalho. — A jovem parecia acreditar naquela versão de história que contava para a investigadora.
— E quando ele retorna? — A investigadora analisou uma pequena mesa atrás do balcão e viu que havia uma nota adesiva, amarela, com um horário escrito em letras garrafais, com caneta marcadora de cor azul.
— Não temos certeza, senhora. Só pode ser resolvido com ele? Estamos à disposição. — A jovem transmitia tranquilidade em suas ações profissionais, cumprindo o protocolo.
— De preferência com ele, mas, há alguém de igual importância com quem eu possa conversar? Digo, uma pessoa como um proprietário. Algo assim...
A moça abriu a boca para falar, mas uma mulher um pouco mais velha apareceu e captou a atenção dela. Seu olhar tremeu por um instante, quase como um sinal para que a segunda aguardasse porque tinham o que conversar. Expressão corporal de amizade, daquelas que se adquire com o tempo de intimidade,
Cassandra já tinha notado a porta de um banheiro na parede em frente àquela das garrafas térmicas, atrás de um banco de espera. Calculando que podia extrair algo na situação da mudança de expressão da recepcionista, ela entrou de súbito no toilette, sem nada dizer, contudo demonstrando alguma urgência na face. Fechou a porta de forma audível, depois abriu uma fresta, devagar, para ouvir a conversa das funcionárias.
— Marina, o Capeta não vai aparecer mais? — A jovem que falou com Cassandra disse em baixo volume, para a outra que tinha chegado.
— Ai Crislaine, nem sei. Mal consegui dormir essa noite do tanto que chorei. — A tal Marina tinha a voz muito forte e estava com uma feição boa para quem tinha chorado tanto quanto queria descrever.
Cassandra tinha duas possibilidades imediatas para aquilo: mentira ou boa maquiagem.
— Já falei para você parar de sair com aquele velho desgraçado! Tu vai arranjar problemas. — Parecia que Crislaine fazia o papel de boa amiga e conselheira, dando sermão entredentes enquanto olhava para os lados.
— Agora já é tarde, pois carrego um filho dele em meu ventre. — Marina revelou com brilho no olhar, quase comemorando enquanto tentava atuar como pessoa sofrida. Ela colocou uma mão sobre a barriga.
— O quê?! — Crislaine estava em choque diante daquela confissão.
Cassandra gostou da informação aleatória que caíra em seu colo, pois já podia deduzir que algo estava muito errado com o caráter do homem, visto que ele usava aliança quando foi encontrado. Não era incomum que patrões tivessem casos por aquelas bandas, contudo, eles também não acabavam mortos em lagos com muita frequência.
— Aborte, Marina! Chá de Melão de São Caetano, chá de canela, alguns medicamentos, a gente resolve. — Crislaine deixou transparecer um pânico incomum. Gotículas de suor brotaram em sua testa.
— Está louca? Nunca farei isso! Primeiro porque sou uma boa cristã. Segundo, porque esse filho vai ser minha aposentadoria dessa vida medíocre que eu levo. Pelo menos uma casa eu vou conseguir, Crislaine. — Marina segredou seus planos com júbilo de vencedora.
Quem ainda dava golpe da barriga? Cassandra acreditava no que via e ouvia, apesar de custar a crer naquele plano pastelão que podia encontrar mil entraves pelo caminho. Apesar de entender que, se ele estivesse vivo, com certeza daria o que ela quisesse para calar aquela boca jovem e bela. Marina já podia ser descartada da lista de possíveis assassinos porque não haveria vantagem para si na morte de Sebastião. Na verdade, ela parecia ignorar o caos no qual estava prestes a entrar.
— Você vai arranjar problema grande com essa família e vão te abortar à força, isso sim. — A jovem Crislaine lavou as mãos. — Finja que não sei de nada disso.
— Eles são muito devotos, nunca seriam capazes de fazer mal a um bebê. Eu já soube por aí que ele tem outros bastardos que ajuda a criar. Vidas boas.
Então Cassandra ouviu Crislaine cumprimentando alguém, depois uma voz grave pediu informação sobre notas de trabalho e ela disse para que o dono da voz acompanhasse Marina.
A investigadora deu descarga e saiu do banheiro.
— Então, há alguma pessoa com quem eu possa tratar de negócios mais sérios? — Cassandra a questionou dando a entender que não podia ser com qualquer pessoa.
— Em casos emergenciais, a esposa dele é quem responde pelos negócios, mas ela não vem hoje. — Crislaine informou com certa relutância, desviando o olhar.
— Entendo. Bem, então eu volto depois. O que não tem remédio, remediado está. — Cassandra se despediu já virando as costas para Crislaine.
— Se quiser eu posso anotar um recado. — Crislaine ofereceu.
— Não precisa, pois retornarei em breve. — Cassandra sorriu com inocência e a jovem devolveu o gesto com diligência.
Dali Cassandra tirou duas informações. Sendo a esposa dele quem comandava na ausência do homem, então ela tinha passado a informação de que ele estava viajando. Desculpa número um para quem está desaparecido. A segunda informação era a infidelidade.
Sebastião era uma figura carismática, entretanto, seria tão querido como sua fama fazia parecer?
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Assassinato no Parque Brito (postando)
Misteri / ThrillerTetragonisca Angustula é o nome científico - e branco - de um poderoso e belo inseto de cor dourada. Uma abelha sem ferrão, pequena, nativa de regiões latino-americanas, que produz um delicioso mel, cuja suavidade é incomparável. Não fosse o suficie...