DIA E NOITE

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A investigadora acordou e ouviu a chuva lá fora. Sentia-se praticamente inútil porque precisava resolver logo aquele caso e a cada hora que passava parecia estar mais distante da solução. Os colegas de trabalho – os confiáveis – não eram obrigados a se desdobrar ainda mais para ajudá-la.

Abriu a geladeira procurando o que comer para forrar o estômago. A luz forte iluminou a parte frontal de seu corpo, que estava na penumbra. Precisava fazer compras mensais para não se preocupar com a escassez de alimentos em sua casa, mas estava acostumada a ir semanalmente ao supermercado.

Olhou as frutas e não sentiu que elas satisfariam seu corpo por muito tempo.

Abriu a porta do congelador e achou a opção perfeita: um saco com pães de queijo congelados. Ligou o forno, colocou a forma com os pães de queijo para assar e foi tomar banho.

Quando voltou, vestida com camiseta branca, calça jeans preta e coturnos, Cassandra fez café, sentou-se à mesa e pegou o celular para observar as notícias do dia e os grupos de fofoca. Todos só falavam sobre a festa que aconteceria naquela mesma noite. Até mesmo as publicidades das lojas estavam voltadas para aquele evento. Nem parecia que a cidade era tão intolerante quanto realmente era. Ou parecia, porque se via muitos comentários de caráter duvidoso em toda publicação. Na verdade, alguns eram crimes.

— A memória do povo é curta pelo sofrimento do quotidiano. — Cassandra conversou sozinha, lembrando-se da menina morta no patinho.

Precisava resolver. Sentiu o estômago se revolver em protesto. Ao contrário da maioria das pessoas, ela não podia esquecer. Quanto a eles, era até vantajoso que esquecessem, pois não desconfiariam quando ela saísse coletando informações.

A chuva parou.

Cassandra lavou os utensílios que tinha utilizado e saiu para a garagem. Ouviu um barulho atípico vindo da casa da vizinha. Uma tosse alta e persistente. Ficou preocupada. Colocou em uma bacia de plástico alguns pães de queijo ainda quentes. Quase todos. Ia sair, porém repensou e colocou todos.

Com a bacia em mãos, voltou para a garagem, passou pelo carro, destrancou o portão e foi atingida por uma lufada de ar úmido e com cheiro de terra molhada. Era fresco e a fez arrepiar dos pés até a cabeça.

A investigadora fechou a mão em punho e bateu no portão. Esperou um pouco, até que a vizinha abriu. Tinha a aparência fragilizada, vestida com seu baby doll de malha.

— Bom dia, dona Marínia! — Cassandra abriu um sorriso. — Como a senhora está?

— Como Deus manda, minha filha. — A senhora respondeu com o tom mais simpático de todos, mas sua voz estava fraca.

— Eu trouxe pão de queijo. — Cassandra estendeu a bacia. — Acabei de assar.

— Ô benção! — A senhora sorriu. — Agora não preciso ir na padaria. Bem que eu não queria sair.

Ela pegou a bacia de quitandas. Uma camionete D-20 prateada estacionou na porta da casa. O som estava alto e tocava Lourenço e Lourival, uma música sobre uma caneta e uma enxada, que na realidade falava sobre a falta de humildade de pessoas ricas com aquelas que lidavam com os trabalhos pesados e menos prestigiados da sociedade.

O idoso que dirigia a camionete abaixou o volume e desceu.

— Bom dia, dona Ma! — Ele cumprimentou enquanto ia abrir a porta do passageiro.

— Bom dia! — Ela respondeu sorridente.

O homem pegou um filhotinho saltitante nos braços. Um pequeno shitzu branco e marrom que estava balançando seu rabo de filhote, olhando com curiosidade para todos os lados. O coração de Cassandra quase derreteu no peito enquanto ela fitava aquela pequena bola de pelos. Era um animal tão amistoso com seus grandes olhos redondos e brilhantes que ela não podia desviar a atenção.

Assassinato no Parque Brito (postando)Onde histórias criam vida. Descubra agora