DEPILANDO A PIRIQUITA

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A fachada da Clínica Boa Estética era impressionante de tão genérica. Arquitetura com linhas retas, vidraças e paleta de cores neutras. Um pé de gueroba plantado na frente do espaço dava um pouco de charme e naturalidade para o lugar, salvando da completa irrelevância. Era hostil aos pobres, pois ficava de portas fechadas, como todo lugar reservado para pessoas de boas condições financeiras.

Cassandra verificou o horário, percebendo que faltavam apenas alguns minutos para o seu atendimento. Conseguiu um horário no dia, pois uma cliente desistiu. Era o dia perfeito para futricar por ali, uma vez que Inezita estaria ocupada demais com o velório do marido.

Com suas passadas largas, a investigadora empurrou a porta, que não tinha nem mesmo um aviso de aberto/fechado. A recepção estava gelada. Não tinha nada de inovador, a não ser poltronas de espera muito confortáveis. A senha da rede de internet estava em uma placa na parede, duas mulheres com o mesmo uniforme preto de tecido grosso sorriam como robôs. Tudo era irretocável. As maquiagens pesadas cobriam as olheiras profundas. Quando uma delas saiu de trás do balcão para atender a cliente, Cassandra entendeu o tipo de pessoa que Inezita era. A funcionária estava calçada com saltos agulha, de quinze centímetros. Não havia nenhum banco no ambiente para que elas pudessem se sentar.

Câmeras de segurança vigiavam os quatro cantos do cômodo.

Cassandra teve dó das moças, porém não havia nada que pudesse fazer. Enquanto as pessoas fossem submetidas, toda a dor do mundo moraria em trabalhadores, como elas.

— Senhora Cassandra, é um enorme prazer recebê-la em nossa clínica. Deseja alguma bebida? — O sorriso robótico enfeitava o fim de cada frase.

— Não, eu agradeço. Recém tomei o meu desjejum. — Falou mais alto do que normalmente faria.

Era melhor passar uma imagem aberta e satisfeita.

— Onde está Inezita? — Questionou como se tivesse intimidade com ela.

— A senhora Barroszo não virá hoje. Há algo que eu possa fazer para ajudar? — A moça colocava tanto esmero no tom de voz que poderia explodir.

— Não? O que ocorreu? Podia jurar que Inezita estaria aqui hoje! — Colocou uma mão sobre os lábios como se estivesse perplexa pela ausência.

A funcionária, discretamente, olhou para os lados antes de responder.

— O esposo da senhora Barroszo faleceu. Hoje será o velório e amanhã o sepultamento. — A jovem lançou um olhar culpado e depois falou rápido como se desejasse se eximir: — A informação está em todas as mídias. Inclusive passou no jornal de ontem.

— Sou ocupada e acabo não vendo muita televisão local. E também, eu cheguei ontem de Paris... Bom, nesse caso só me resta entrar e deitar a mata, não é? As esteticistas estrangeiras não dão conta como as brasileiras. — Cassandra deu uma piscadela e um sorriso cúmplice.

A moça sorriu com naturalidade pela primeira vez desde que a investigadora passou pela porta.

— A senhora não prefere trocar a sua depilação com cera por uma sessão de laser? O que usamos pode ser aplicado em pessoas com pele bem pigmentada, e eu libero um desconto especial. — A moça quis ser gentil.

Cassandra pensou um pouco. Se ia fazer aquilo, então queria experimentar um método mais eficaz.

— Está bom, então. Troque o método. Adiciona quanto no investimento? — Ela queria usar o verbo gastar, mas não era elegante e bem aceito.

— A senhora prefere qual método de pagamento? — A moça perguntou antes de qualquer outra informação.

— À vista, em dinheiro. — Cassandra replicou.

A moça não pode evitar o estranhamento.

— Que raro. Nesse caso, temos um desconto de cinquenta por cento. O valor é este. — A moça estendeu para Cassandra uma tabela de valores e apontou aquele que ela pagaria.

Cassandra apreendeu a informação, todavia também olhou os demais valores e abriu um sorriso misterioso. Ineszita poderia não ter problemas com a justiça por conta do marido, mas "o leão" com certeza iria bater na porta dela.

— Bom demais! — Cassandra sorriu. — Mas, hein... Me fala um trem aqui... Tem câmera na sala de depilação também? Não queria essa falta de privacidade para a minha Testudinha.

A atendente riu.

— Não, senhora. É privativo. Porém, por questões de segurança, deixaremos todos os seus objetos em um armário e a senhora fica apenas com o cartão chave. — Ela explicou.

— Já tiveram problemas...? — Toda informação era relevante.

— Apenas uma vez, com um cliente. Enfim, a senhora Ineszita já resolveu. — Ela findou o assunto.

— Ótimo.

A seguir, e a pedido das atendentes, Cassandra vestiu um tipo de camisola com o monograma da clínica. Uma esteticista a atendeu e a conduziu para uma sala onde faria o procedimento. No começo Cassandra ficou em silêncio, mas logo começou a especular.

— Achei esquisito não poder ficar com os meus pertences. Nem o celular eu posso usar. Que isso? — Falou em tom de desabafo.

A senhora riu, deixando aparentes as rugas nos cantos dos olhos.

— É complicado. — Respondeu sem dar muita trela.

Cassandra pensou um pouco antes de tentar outra vez.

— Nunca houve algum cliente que passou por uma emergência por conta disso? — Indagou.

— Já, menina. Um bocado de vezes. — Ela respondeu.

— E mesmo assim o procedimento continua? Ineszita é mesmo prevenida. — Falou com admiração.

A mulher soltou um leve ronco de deboche pelo nariz.

— Depois de quase tomar um processo, todo mundo fica esperto. — Ela ficou um pouco em silêncio. — Ela já teve problemas com as coisas de um dentista. Foi o maior rolo.

— Não acredAAAAAAAAAAA! — O procedimento começou enquanto Cassandra falava.

Tudo o que ela queria a partir daquele momento era que terminasse logo porque não era nem um pouco agradável. Parecia que centenas de agulhas em chamas estavam penetrando sua pele, incendiando o monte de Vênus. Pouco depois já estava arrependida e sem inclinação nenhuma para o diálogo. Tentaria descobrir quem era o dentista de outra maneira, se fosse possível. No final do atendimento, após as recomendações, Cassandra saiu andando de maneira esquisita, desacostumada com a sensação.

Enquanto passava pela recepção, aproveitou a deixa e a simpatia da moça para sussurrar.

— Estou com a piriquita assada. — A moça riu e Cassandra debruçou no balcão para tentar uma última vez: — Ela me disse que vocês tiveram problemas com um dentista. Quem era? Segredo de comadre. Não me aguento de curiosidade.

A menina olhou para os lados e resolveu dar um voto de confiança.

— Era o Rogério da Souza da Silva. Não fui eu quem te contou. — Disse.

Cassandra, satisfeita, fez um gesto afirmativo com a cabeça. Estava satisfeita, apesar de se sentir humilhada também. Era como se a pele fosse descolar de tanta ardência.

Assassinato no Parque Brito (postando)Onde histórias criam vida. Descubra agora