Ao entrar outra vez na delegacia, Cassandra foi recepcionada com um misto de estranheza e desaprovação. Também, pudera, estava toda desalinhada, como se tivesse passado a noite em um pós-festa tenebroso e agitado.
— Cassandra? — A delegada Marília estava com olheiras tão grandes e fundas que parecia um panda vindo diretamente do inferno com sua expressão de reprovação. — Aonde você foi? Por que está vestida desse jeito?
— Eu não fui, Marília! — Cassandra falou enquanto controlava a raiva causada pelo julgamento injusto do qual era alvo. — Eu fui levada. Sequestrada e abandonada em uma lavoura logo após a morte de Inezita.
Marília sentiu as pernas bambeando e precisou escorar em uma parede.
— Isso mesmo! — Cassandra afirmou com mais sombrio fulgor. — Isso que você ouviu. Ontem eu estava investigando os camarotes quando fui levada. Colocaram um saco na minha cabeça e me renderam.
— Isso está ficando cada vez pior. Não há mais chance de descanso. — Marília disse o óbvio, confirmando o que a investigadora já sabia. — Nessa noite passada também queimaram a casa da moça encontrada morta. E, aparentemente, a família inteira morreu incinerada.
Cassandra precisou se sentar ao ouvir aquela notícia, pois não era capaz de lidar com as emoções negativas que inundaram seu ser. Não bastava estar exausta, humilhada e ferida. Não. Vidas eram ceifadas debaixo de seu nariz em uma velocidade vertiginosa.
— Uma família inteira? — Ela se viu dividida entre bufar e dar um soco na mesa.
— Sim. — Marília reafirmou e jogou um amontoado de papéis na frente de Cassandra. — O tempo não para porque estamos sofrendo. Trabalhe.
Cassandra pegou os papéis com tudo o que já tinham sobre o caso, incluindo algumas informações da noite anterior. Em situações comuns ela esperaria para ver os depoimentos de quem estava na festa passada, mas resolveu ir contemplar a desgraça com seus próprios olhos.
Pegou carona com um colega de trabalho que a levou até perto das cinzas da casa que tinha visto inteira um tempo antes. Havia apenas um espaço vazio, cheio de escombros incinerados. E, uma multidão de pessoas ao redor, curiosas com a desgraça. Fazendo seus registros e compartilhando tudo o que estava minimamente queimado.
Cassandra tentava ligar os pontos enquanto caminhava pelo local em busca de uma luz, porque, havia pontos a serem conectados naquela confusão. Não era aleatório. Ela tinha sido levada para fora da cidade de propósito, pois, se estivesse ali, com certeza correria para o local do outro crime. Foram dois atentados em uma noite. E os dois eram interligados porque Inezita era a patroa da menina morta, cuja família fora assassinada, logo, a mais interessada em dar cabo dela. Contudo, Inezita estava morta também. Tudo indicava que os crimes ocorreram em horários próximos. Por que acabar com a família toda? O que eles sabiam?
Cassandra percebeu que nada mais havia para tirar dali e chamou um carro por aplicativo. Foi para a própria casa, tomar um banho e se arrumar para continuar sua investigação.
Quando entrou no Corsa preto, o motorista já começou a falar sobre a família incinerada.
— Uma tragédia sem fim. — Comentou com água na boca de tanto prazer. — Nem reconheço Jataí mais. Quando a gente era menino não tinha esse tanto de violência.
Cassandra sabia que era mentira. A violência sempre existiu em grandes proporções, o que mudou foi a percepção dele de criança para adulto.
— Pois é... Não consigo imaginar o porquê. — Cassandra deu corda.
— Ah... Eu ouvi a tia do meu cunhado falando para a mãe dele que essa família tinha envolvimento com tráfico de drogas. Deve ser queima de arquivo. De tempos em tempos o tráfico faz uma limpa nos devedores e a polícia faz uma limpa nos bandidos mais custosos. — Ele falou com tranquilidade de quem está acostumado com absurdos.
Talvez ele não estivesse tão errado. Em geral... Porém, Cassandra sentia que não era o caso. Ou não era a explicação simples para o caso.
— Uma coisa é certa... — O homem falou diante do silêncio como resposta. — Tem muito dinheiro envolvido. Quem está fazendo isso, sabe que não vai ser pego. Deve ser um rico.
— Sabe que eu também acho? — Cassandra pagou a corrida e desceu na frente da própria casa. Exausta, o corpo implorando por algumas horas de sono, mas ela não cedeu.
Se banhou, trocou de roupas, pegou o carro e voltou para a delegacia. Acessou os arquivos dos casos para ler todas as informações que tinham e começou a pesquisar até encontrar as redes sociais da família morta.
*****
— Depois de tanto estresse, quero finalizar os últimos e fazer um belo passeio fora do país. — Comentou com seu tom sensual.
Olhos nos olhos, pupilas dilatadas, hálito de hortelã com vinho caro. As lentes nos dentes custavam o valor de uma casa. O perfume que exalava de si tinha o valor tão alto que poderia alimentar três famílias pobres durante dois meses. A aliança de ouro puro brilhava no dedo, significando muito e nada.
— E a investigadora? — O capacho indagou, olhando de forma apaixonada para aquela figura que o cativava com seus encantos perniciosos. O maior deles: o poder.
Uma gargalhada soou maléfica no recinto.
— Ela não vai ser empecilho para nós. — Afirmou enquanto olhava pela janela.
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Assassinato no Parque Brito (postando)
Misteri / ThrillerTetragonisca Angustula é o nome científico - e branco - de um poderoso e belo inseto de cor dourada. Uma abelha sem ferrão, pequena, nativa de regiões latino-americanas, que produz um delicioso mel, cuja suavidade é incomparável. Não fosse o suficie...