17. Escória

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O vidro se estilhaçou na parede como um sopro suave, mas então o som atordoado tomou conta do quarto. O líquido escuro pintou o papel de parede como uma grande mancha espichada, suja e borrada como uma memória que seguia a se repetir.

A mulher enfurecida não mexeu um dedo após isso, observando o rapaz em sua frente se encolher contra a parede em meio aos cacos transparentes. A luz era pouca, dentre a penumbra os últimos raios do sol faziam parte daquela lembrança que ficaria por muito tempo na cabeça de Hyunjin.

Porque se repetiria, vezes e mais vezes.

— Você não merecia isso, você sabe. — as palavras vazias saiam por entre o batom vermelho perfeitamente intocado nos lábios da matriarca. Os cabelos eram penteados e alinhados como se não houvesse um fio fora do lugar, como se sua única tarefa no dia fosse pentear e pentear os fios pretos e finos em frente ao espelho prateado. Seus braços cruzados e repousados tão calmos como se não tivessem atacado ao filho em sua frente, que tremia, em silêncio, esperando por tudo aquilo mais uma vez.

A mulher tocava seus pés descalços no assoalho respingado pelo álcool, enquanto seu vestido arrastava alguns dos estilhaços quando ela se ajoelhou diante de Hyunjin. A mão pálida e fina tocou o rosto amedrontado, os olhos marejados mas que se recusaram a derramar uma lágrima desde que havia se prometido a nunca mais fazer.

As juntas dos dedos tocaram suavemente a maçã de seu rosto, como se a ignorasse avermelhada. O toque frio que se arrastava suavemente mas que ainda revirava tudo dentro dele; a tentativa falha de um carinho que parecia como espinhos e galhos pontiagudos que arranhavam a pele clara. Aquilo nunca foi carinho.

— Você não merece essa vida, Hyunjin. — tornou a dizer, antes de receber um tapa que afastou sua mão do rosto alheio, mas seus olhos ainda a fitavam de tão perto.

— Pare de falar como se soubesse de algo. — pediu, o corpo fraco que ainda tentava cada vez mais se afastar mesmo com a parede rígida atrás de si. Os lábios tremiam mas nunca deixou de dizer o que pensava. — Mãe...

— Não me chame assim. — se apressou a interromper antes mesmo de ouvir. Ela nunca ouvia.

A mulher se levantou, inspecionando a mão pouco avermelhada pelo tapa e imaginando quantos dos tão caros cremes utilizaria para que a vermelhidão sumisse o mais rápido possível sem danos futuros.

— Corra para os braços de Karina outra vez, então. Sabe o que seu pai também pensa sobre isso. — suspirou, sua expressão mudando levemente para algo magoado. — Conversamos tantas vezes sobre isso, mas por quê? Parece insistir no erro, Hyunjin.

O maior se ajeitou e sentou-se ainda ali, pendendo a cabeça contra a parede. Sua risada repentina quebrou o silêncio, fazendo a mulher olhar para si.

— Erro? — fungou, sorrindo. — Erro...

Maldito Erro.

11 anos atrás.

— São feias. — deu de ombros.

— São mesmo? — levantou o inseto na palma de sua mão na altura dos olhos do garoto menor em sua frente, fechando os olhos num sorriso caloroso ao vê-lo se assustar. — Parece que você só tem medo delas.

O garoto formulou um bico em seus lábios, cruzando os braços.

Hyunjin riu, tão verdadeiramente como não fazia normalmente, exceto nos dias que pulava a janela dos fundos para que brincasse na rua. Embora fosse extremamente tímido, um garoto desconhecido o fisgou e o colocou para ser amigo dos demais. Era feliz nos momentos em que tinham, principalmente estes em que eram apenas os dois.

Sweet fantasy | hyunlixOnde histórias criam vida. Descubra agora