Maraisa
Os dias seguintes foram uma confusão de pensamentos. Eu me pego observando Maiara mais do que o normal, tentando entender o que tá passando na cabeça dela. Será que ela tá cansada de mim? Será que eu sou um peso pra ela? Eu não quero ser um problema. Tento ser boa, fazer o que ela pede, mas às vezes parece que não importa o quanto eu me esforce. Tem sempre algo que eu não consigo alcançar. Como se a expectativa dela estivesse em um lugar que eu nunca vou conseguir chegar.
Hoje, depois de mais uma consulta com o Gustavo, a gente voltou pra casa em silêncio. O tipo de silêncio que dói, que faz a gente sentir um vazio por dentro. Eu tento quebrar esse silêncio com perguntas bobas, como sobre o que vamos jantar ou se posso assistir meu desenho favorito, mas nada parece tirar a tristeza dos olhos dela.
— Mamãe ... — chamo, enquanto ela mexe distraída no celular.
Talvez eu chamar ela de mamãe seja um problema.
Balanço a cabeça e suspiro.
— Maiara...-A chamo novamente e dessa vez ela me olha.
— Hum? — Ela levanta o olhar, mas a atenção dela ainda tá distante.
— Você... tá brava comigo? — A pergunta escapa antes que eu possa segurar.
Ela franze a testa, parecendo confusa. — Por que eu estaria brava, Isa?
Dou de ombros, me sentindo pequena. — Não sei... é que você não sorri mais.
Ela solta um suspiro, como se carregasse um peso que eu não consigo ver. — Não tô brava com você. Eu só... tô cansada. — Ela passa a mão pelo rosto, como se quisesse afastar todos os pensamentos ruins. — Isso não tem nada a ver com você, tá?
Eu quero acreditar nela, mas ainda sinto aquele nó na barriga. Maiara sempre foi meu porto seguro, minha estrela brilhante que me guiava no meio do escuro. Só que agora, parece que a luz dela tá apagando, e eu não sei como ajudar.
Eu tento mudar de assunto. — A gente pode brincar com os bichinhos de pelúcia depois?
Ela me olha com um sorriso fraco, mas dessa vez parece mais sincero. — Claro que pode. Vamos fazer isso depois do jantar, tá bom?
A ideia de brincar com os bichinhos de pelúcia traz um pouco de calor de volta pro meu peito. Mesmo que eu ainda sinta aquele peso no ar entre a gente, só de saber que ela ainda quer passar tempo comigo já me faz sentir melhor.
Quando finalmente estamos no sofá, com os bichinhos espalhados ao redor, eu me aninho perto dela, desejando que esse momento dure pra sempre.
🦋
Depois do jantar, enquanto Maiara limpa a cozinha, eu pego meus bichinhos de pelúcia e coloco todos em fila no sofá. Tem o Ted, que é meu urso preferido, a Mel, minha coelhinha de pelúcia que eu ganhei no meu aniversário, e a Nina, que tem o formato de um cachorrinho bem fofinho. Fico ajeitando cada um deles cuidadosamente, como se fossem meus filhos. Maiara sempre diz que eu sou boa em cuidar deles, e eu fico feliz quando ela fala isso, porque é uma das poucas coisas que eu consigo fazer direitinho.
— Já tá tudo pronto? — ela pergunta, se aproximando com um pano de prato nas mãos.
— Quase! — respondo, ajeitando a última pelúcia. — Eles estão esperando pra começar a brincadeira!
Ela sorri, mas ainda tem aquele cansaço escondido no olhar. Mesmo assim, senta no sofá ao meu lado e pega a Nina, começando a mexer as patinhas dela como se estivesse correndo.
— O que vamos fazer hoje, dona Nina? — ela pergunta com uma voz animada, como se estivesse falando com uma criança.
Eu rio, gostando do jeito que ela tenta entrar na brincadeira. Peguei o Ted e balancei a cabeça dele, como se estivesse respondendo.
— Acho que a Nina quer uma corrida com o Ted! Quem será que vai ganhar?
— Ah, o Ted sempre ganha — ela brinca, fazendo a Nina balançar a cabeça. — Mas hoje é o dia da Nina!
Começamos a mover os bichinhos como se estivessem correndo pelo sofá, e eu não consigo parar de rir quando o Ted e a Nina "tropeçam" nos outros bichos, derrubando a Mel no processo. Maiara solta uma gargalhada quando vê a Mel rolando para o chão.
— Aí, coitada da Mel! — ela exclama, levantando a coelhinha com cuidado. — Vamos ver se ela tá bem.
Ela ajeita a Mel no colo como se estivesse cuidando de um bebê machucado, e eu sigo o exemplo com o Ted, fingindo que ele também se machucou na corrida. O jeito carinhoso como ela segura as pelúcias faz meu coração ficar quentinho. Mesmo com tudo que tá acontecendo, mesmo com o peso que eu sei que ela carrega, ela ainda tenta me fazer feliz, ainda entra nas minhas brincadeiras. E isso me faz sentir que, pelo menos por agora, tá tudo bem.
— A Mel vai ficar boa — Maiara diz, pegando a mãozinha de pano da coelha e fazendo um gesto de carinho. — Só precisa descansar um pouquinho.
— E o Ted também — eu digo, abraçando o urso perto do meu peito. — Ele foi muito corajoso, mas agora tá cansado.
— Então os dois precisam de uma boa noite de sono — ela concorda, colocando a Mel do lado da Nina no sofá.
Por um momento, a sala fica em silêncio. A TV tá ligada com um daqueles desenhos antigos que eu adoro, mas o som tá baixinho. Eu encosto a cabeça no ombro de Maiara, ainda segurando o Ted, e sinto ela passando os dedos no meu cabelo, num carinho lento e reconfortante. Eu gosto quando ela faz isso. Me faz sentir segura, como se nada de ruim pudesse me alcançar enquanto estou com ela.
— Mai... — chamo baixinho, quebrando o silêncio. — Você acha que eu sou esquisita?
Ela para de mexer no meu cabelo por um segundo, e eu quase me arrependo de ter perguntado. Mas depois, ela volta a fazer carinho, com um toque ainda mais suave.
— Não, Isa. Você não é esquisita. Por que você acha isso?
Eu dou de ombros, olhando pro Ted em minhas mãos. — Porque as pessoas olham pra mim de um jeito... como se eu fosse diferente. Tipo aquele moço do hospital.
Ela suspira, e dessa vez eu sinto a mão dela tremer um pouquinho no meu cabelo. Acho que ela não quer que eu perceba, mas eu noto. Sempre noto.
— As pessoas podem ser meio complicadas, sabe? — ela começa, com a voz baixa, quase sussurrando. — Às vezes elas não entendem o que é diferente delas. Mas isso não quer dizer que tem algo de errado com você. Você só é... você. E isso é o suficiente, tá?
Eu fecho os olhos, tentando absorver o que ela disse. Eu quero acreditar. Eu quero que ser eu mesma seja suficiente. Mas lá no fundo, ainda tenho medo. Medo de não ser o que ela espera. Medo de ser um peso, de fazer tudo errado.
— E eu sou suficiente pra você? — pergunto baixinho, quase com medo da resposta.
Ela para de novo, dessa vez mais tempo. Sinto meu coração apertar no peito, e já tô pronta pra mudar de assunto quando ouço a voz dela, suave e cheia de carinho.
— Isa, você sempre foi suficiente. Sempre vai ser. Mesmo quando eu não sou boa em mostrar isso.
Eu respiro fundo, sentindo uma onda de alívio me tomar. Aquelas palavras eram tudo que eu precisava ouvir. Ela me puxa um pouco mais perto, e eu me aconchego no ombro dela, sentindo o calor que sempre me faz sentir em casa.
— Eu te amo, sabia? — digo baixinho, abraçando o Ted com força.
— Eu também te amo, Isa. Muito. — Ela beija o topo da minha cabeça, e por um instante, sinto que tudo vai ficar bem. Mesmo com todos os medos, mesmo com as palavras complicadas como "infantilismo" e "tratamento", enquanto eu tiver a Maiara ao meu lado, sei que vou ficar bem.
A gente continua sentada no sofá, em silêncio, assistindo ao desenho que passa na TV, enquanto o mundo lá fora parece distante e irrelevante. Eu brinco de ajeitar os bichinhos de pelúcia no meu colo, e ela continua passando a mão no meu cabelo, como se quisesse garantir que eu sou protegida de tudo.
E por um breve momento, eu acredito que sou.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Ohana 🦋
FanfictionOhana quer dizer família. Família quer dizer nunca abandonar ou esquecer.