Isadora RizzoFiquei ali, na cozinha, com os braços ao redor de Lucas, enquanto o calor do abraço dele me dava forças para me segurar. Sentia sua respiração calma contra o meu pescoço, e aquele pequeno momento de aconchego era como um alívio em meio à tempestade que insistia em me perseguir.
Arthur saiu, e por um breve instante, o silêncio voltou a tomar conta da cozinha. Meus pensamentos começaram a flutuar, e antes que pudesse impedir, as lembranças começaram a inundar minha mente.
Flashback on
Os cheiros da festa da padroeira ainda estão tão vívidos na minha memória, mesmo tantos anos depois. Era sempre a mesma coisa: o aroma da carne assando no espeto, o som do acordeão misturado à algazarra das crianças correndo pela praça. Um pequeno pedaço de tradição que marcava os poucos momentos de festa no nosso pedacinho de mundo, entre as fazendas de terra vermelha e céu sem fim. Foi ali que conheci Arthur pela primeira vez.
Meus pais tinham acabado de comprar nossa fazenda no interior do Mato Grosso do Sul, e ainda estávamos nos acostumando com a vida mais tranquila, longe do burburinho da cidade grande, tínhamos decidido que nossas férias de agora em diante seria ali. Era o tipo de festa onde todo mundo conhece todo mundo – ou quase todo mundo, no meu caso. Eu andava meio deslocada pela praça iluminada por pequenas lâmpadas coloridas, observando tudo de longe, até que ele se aproximou.
-Você é a menina nova, né? Mora na fazenda do seu Rizzo?
Virei, surpresa, e dei de cara com um garoto de olhos curiosos e um sorriso fácil. Tinha cabelo bagunçado e carregava um ar confiante que contrastava com o tom amistoso da voz.
-Sou. Isadora. -respondi, tentando não parecer desconfortável.
-Arthur. Moro na fazenda do lado.
Ele falou como se fosse a coisa mais natural do mundo. E talvez fosse para ele, mas eu não estava acostumada a fazer amigos assim, tão de repente.
Naquela noite, conversamos como se já nos conhecêssemos. Arthur me contou histórias sobre os banhos de rio que ele e os primos costumavam tomar, sobre as travessuras na fazenda e como ele odiava ter que ajudar na colheita. Eu ri, mesmo sem entender metade das expressões que ele usava.
Depois daquela noite, sempre que íamos para a fazenda, acabávamos nos esbarrando. No começo, eram encontros casuais: eu passava caminhando com o nosso cachorro pela estrada de terra, e ele aparecia montado no cavalo, acenando de longe. Mas, com o tempo, parecia que nossos caminhos se cruzavam de propósito. Uma tarde, ele me chamou para ver o pôr do sol de um morro perto do rio. Era o tipo de lugar que você só encontra quando mora ali há anos.
—Você tem medo de altura? -ele perguntou, rindo, enquanto subíamos até o topo.
—Não sei... Talvez.
-Bom, aqui não tem nada pra cair. Só o céu.
Era a coisa mais boba, mas Arthur tinha essa habilidade de fazer tudo parecer mais leve.
Quando chegamos ao topo, a vista era de tirar o fôlego: campos sem fim, o rio cintilando à distância e o céu se pintando de tons laranja e rosa. Ficamos sentados lado a lado, em silêncio, até que ele olhou para mim e disse:
-Você vai embora em breve, né?
Eu sabia que ele estava falando das férias. Meus pais sempre voltavam para a cidade quando acabava o recesso escolar. Fiz que sim com a cabeça, sentindo um peso no peito que eu não entendia direito.
—Então... acho que preciso fazer uma coisa antes disso. - parecendo hesitar pela primeira vez desde que nos conhecemos.
Antes que eu pudesse perguntar o que era, ele se inclinou e me beijou. Foi um beijo tímido, meio desajeitado, mas tão sincero que me deixou sem ar. Eu não sabia o que dizer depois. Ele também não. Então só ficamos ali, lado a lado, enquanto o sol desaparecia no horizonte.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Notas do Destino
Storie d'amoreIsadora, uma jovem médica recém-formada em Campo Grande, vive uma rotina intensa equilibrando sua carreira e a criação de seu filho, Lucas, de quatro anos. Anos atrás, quando ainda era estudante de medicina, ela viveu um romance apaixonado com Arthu...