Capítulo 11
Ela não podia acreditar no que havia acontecido, não era pra isso que ela tinha vindo até aquele mundo, não era pra servir de burrinho de carga e ficar transportando suprimentos entre mundos que ela havia se voluntariado a ser uma das guerreiras que poderiam salvar Gaila.
Enquanto caminhava na floresta, tentando se manter o mais longe possível daquele garoto irritante, mas tendo ele sempre em vista, Jessie se lembrava de como havia se tornado guerreira, o que sempre lhe trazia certa dor.
Seu pai havia saído para a guerra e sua mãe auxiliava na enfermagem, a manipulação de sua tribo não auxiliava muito na cura das pessoas, mas ajudavam com misturas de ervas e plantas, além do mais, enfermeiras de outras tribos se dividiam e auxiliavam as enfermagens de todo lugar.
Tudo estava calmo, as crianças brincavam com os cavalos, as pessoas que ainda não tinham idade ou condições para guerrear guiavam os rebanhos de carneiro, ordenhavam as vacas, cuidavam das plantações. Então o tempo mudou.
Nuvens roxas tomaram o céu, um cheiro forte de enxofre encheu o ar, o próprio espaço pareceu se agitar, eles estavam chegando. A aldeia inteira se agitava, ela se lembrava de sua mãe lhe pegando no colo, seu irmão menor chorando na área de sua casa, os rebanhos se dispersando pelas estradas, um vento forte levando tudo pelos ares.
As próximas lembranças eram apenas manchas em sua mente, aqueles seres imundos chegando, descendo a colina, lembrava-se das casas pegando fogo, as pessoas gritando e correndo inutilmente para a floresta, crianças gritando, e eles.
Ainda a aterrorizava a imagem daqueles seres, pensava em como as pessoas podiam fazer isso com aquelas pessoas, transformá-las naquelas coisas. E certamente se ela fosse pega ela também viraria um deles.
Lembrava-se de sua mãe a colocar em um baú de madeira no fundo da cozinha, junto com seu irmão, lembrava do cheiro da madeira, podia a sentir em sua pele as vezes, lhe espantava o modo que as lembranças permaneciam vivas em sua mente, mesmo depois de tanto tempo.
Ela lembrava de abraçar forte seu irmão, cobrindo sua boca quanto viu por uma fresta um transmutado entrar na casa. Pela mesma fresta viu sua mãe aparecer na frente dele com uma faca na mão, viu ela tentando proteger o baú, tentando se proteger, mas não era suficiente contra aquela coisa.
Do baú Jessie tentava fazer o animal recuar, fazê-lo ir embora, mas não conseguia, não sabia muita coisa sobre manipulação na época, e se culpava por isso, talvez se ela soubesse apenas alguns truques, se tivesse prestado atenção nas aulas que seu pai lhe dera antes de partir. Mas isso não importava mais, não podia mudar o que tinha acontecido, e também não podia tirar essa lembrança de sua cabeça.
- Chegamos!
Jessie olhou para Matt, que a esperava alguns metros à frente, parado no centro de uma clareira. Ela deu mais alguns passos e sentou em um toco ali perto, de onde pode vê-lo se concentrar, fazer as coisas à sua volta se erguerem do chão e rodarem no ar em sua volta, e o portal finalmente se abrir. Matt se virou para ela e fez um sinal de cabeça a chamando para segui-lo.
Meio a contragosto ela se levantou do toco e conseguiu ver Matt passando pela janela de luz à sua frente, caminhou alguns passos e parou na frente dela, sua vontade era de voltar para o campo de treinamento e acabar com aqueles homens na arena, mas se voltasse sem Matt, Sik iria a fazer voltar e não mais voltar.
Quando se parou na frente do portal, quando ia dar o primeiro passo de volta para seu mundo de origem, algo a acertou e a jogou há vários metros da clareira. Se sentiu tonta, suas costas doíam, havia colidido contra uma árvore. Somente depois que pode recobrar seus sentidos por inteiro conseguiu ver o que a atingiu. Era Matt.
Ela se levantou a tempo de vê-lo se concentrar para fechar o portal, mas era tarde demais. Viu um vulto grande e rápido voar pela janela de luz e se agarrar na copa das árvores, viu uma nuvem roxa tomar o céu sobre a clareira. Era um deles.
As imagens invadiram sua mente novamente, as nuvens roxas no céu, sua mãe caindo no chão em frente ao baú, a fera gritando e saindo pelo telhado.
Matt se virou rapidamente quando algo caiu das árvores atrás dele, ele mal pode ver a criatura o acertar, voando para o outro lado da clareira.
- Matt!
Só então Jessie pareceu perceber o que estava acontecendo. Alguém havia descoberto o campo de treinamento e mandado aqueles monstros ficarem de tocaia, agora três deles já estavam ali, pulando pelas copas das árvores, esperando o melhor momento para atacar.
Viu Matt se levantar e atacar um deles, quando o acertou os outros dois pularam ao chão e se ergueram em posição de ataque, ela tinha que ajudar.
Concentrou energia e lançou uma rajada contra um deles, assim que acertou girou a perna na frente do corpo e fez o outro cair, fazendo os dois se voltarem em sua direção, parecendo irritados. Eram duas criaturas humanóides com a pele acinzentada e cheia de marcas, as mãos e dedos compridos com garras afiadas, a cabeça totalmente desfigurada.
Ela se lançou às árvores, se apoiando em um galho alto, mas não conseguiu se equilibrar, uma das criaturas foi mais rápida e a empurrou, a fazendo cair, ela conseguiu manipular a energia e cair em pé, a tempo de ver a outra criatura investindo contra ela.
Quando ela achou que não teria mais chance a criatura foi atingida pelas costas, caindo ao chão, atrás do corpo inerte dela viu Matt parado em posição de ataque, atrás dele o corpo de uma das criaturas caído no chão.
- Jessie, rápido! Temos que ir!
Ela estava completamente atordoada, as cenas que viam se misturavam às lembranças que tinha. Sua mãe caída no chão enquanto uma poça vermelha se formava ao lado, seu corpo paralisado pelo terror, seu irmão chamando por sua mãe, as criaturas invadindo o vilarejo e acabando com tudo.
Ouviu alguém chamar seu nome, mas o pânico não a deixava distinguir o que via e ouvia, não sabia de onde vinha o chamado e não conseguia atendê-lo. Ele continuava, via as pessoas correndo na rua, não tinha coragem de sair do baú, via também Matt se agitando na sua frente, uma sombra crescendo e a cobrindo.
Sua mente estava no controle de seu corpo agora, seu subconsciente não a deixava discernir o que era passado e o que era presente. Ouvia seu irmão chorando, Matt chorando, via pessoas morrendo, via sua mãe. Queria poder ajudar, queria fazer algo, mas não conseguia, estava paralisada pelo medo, sempre estivera, não conseguia dominá-lo.
De longe viu Matt atirar em alguma coisa e ser acertado por um galho grande, caindo no chão, as duas criaturas ainda continuavam deitadas à sua frente, se lembrou da que estava nas árvores, a sentiu, sua mãe a sentiu. Virou-se e viu, parada ali na sua frente, esguia, apavorante, a criatura parada na frente de sua mãe, na sua frente, viu ela a atacar, cortando sua garganta, sentiu o ataque, viu sua mãe caindo, caiu, sua mãe morrendo, ela morrendo. Não cuidaria mais de seu irmão.
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A NONA TRIBO
FantasyPrimeiro livro da série -A Nona Tribo A Nona Tribo - O Despertar E se o mundo à sua volta e você fossem conectados e se misturassem de uma maneira que um novo e impressionante leque de possibilidades se abrisse à sua frente? Se sua concepção de exis...