Primeira Parte - Capítulo 14

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Capítulo 14
As árvores passavam como raios por Matt, ele corria o mais rápido que podia, correndo em uma sucessão de saltos com a ajuda da manipulação, tinha que voltar para Gaila e pedir ajuda o mais rápido que pudesse.
Enquanto corria batia em muitos galhos, os cabelos curtos já cheios de folhas, o rosto e os braços cobertos de arranhões, mas os olhos estavam vidrados no caminho à sua frente, a mente vagando em uma série de hipóteses catastróficas sobre o que poderia acontecer daquele momento em diante, a partir de seu erro, de sua fraqueza.
Ainda se culpava por ter deixado o campo de treinamento, mas sabia que se ficasse não conseguiria ajudar tanto quanto se fosse buscar ajuda, e como ainda estava com o colar e as criaturas não o estavam perseguindo sabia que teria uma desconfortável vantagem, mas teria de ser rápido.
Não demorou muito para chegar novamente à clareira, deixou-se cair ao chão e não pode conter as lágrimas que invadiram seu rosto, descendo pela face machucada. Na sua frente via as marcas da luta que tivera há poucos momentos atrás, os galhos jogados por todos os lados, as folhas ainda sendo levantadas pelo vento buscando um lugar para pousar, os buracos causados pelas criaturas no chão, e o corpo de Jessie, caído sem vida.
Ele levantou o braço, querendo ir em direção à ela, querendo lhe ver pela última vez, falar alguma coisa, tentar concertar o que havia acontecido, mas como ele mesmo pensou, já havia acontecido, e ele não tinha tempo.
Com as lágrimas cindo nos olhos, as cenas de terror na cabeça e os sons vindos de toda a parte, certamente da luta que acontecia no campo de treinamento, ele se colocou no centro da clareira, pegou o colar nas mãos e iniciou o ritual de abertura do portal.
As árvores ao seu redor se moveram, as folhas, os galhos, as energias interagindo com ele, os sons parando, seu coração batendo, os olhos de Jessie na cabeça. O portal estava aberto. Olhou a janela de luz que pairava no ar e tentou se perdoar pelo que havia deixado acontecer, provavelmente não teriam muitos sobreviventes no campo de treinamento, todos morrendo por seu erro.
Olhou ao redor enxugando os olhos com as costas das mãos, estava deixando aquele mundo e nunca mais queria voltar, por mais desequilibrado que o seu estivesse, ele era o seu lar, e lá tinha pessoas que conhecia.
Quando foi atravessar viu o corpo de Jessie, não podia deixá-la ali, mesmo conseguindo ajuda com outras pessoas para que retornassem depois parecia muita insensibilidade deixar ela ali, esperando por alguém que a fizesse descansar.
Cuidadosamente foi até ela. Limpou o corte no pescoço com um pano que trazia e depois o enrolou sobre ele, arrumou seus cabelos para trás das orelhas, fechou seus olhos e a pegou nos braços. O corpo mole, ainda quente, ainda querendo a vida que o deixara de volta. Era difícil aceitar o que estava acontecendo. Não pode conter as lágrimas novamente.
Caminhou pela clareira querendo que tudo aquilo fosse um sonho, um pesadelo prestes a acabar, mas sabia que não era, agora só lhes restavam seus pensamentos, seus pensamentos e o silêncio.
Isso o pegou de surpresa, o silêncio. O maldito silêncio que precede a tragédia. Olhou em volta, mas não viu nada, apenas calma e tranquilidade, o que lhe dava ainda mais medo. Se aproximou do portal e começou a atravessar o corpo de Jessie, mas a travessia foi interrompida por um rugido e uma força que o puxou para trás, fazendo o corpo dela cair no chão perto do portal e ele perto dos pés de uma das três criaturas que agora estavam paradas na clareira.
A criatura estava parada com Matt a seus pés, os olhos arregalados, a boca parecendo sorrir, babando, os dentes à mostra, as garras prontas para o ataque. Matt se jogou para cima com uma rajada de energia a tempo de evitar um soco do transmutado, rapidamente colocou o colar em volta do pescoço e lançou uma rajada em direção às criaturas, fazendo duas delas caírem ao chão.
A outra pulou para uma árvore, se livrando do ataque, se impulsionou no tronco dela e se lançou contra Matt, que ainda estava suspenso no ar, o agarrando pelo tronco e o jogando junto com ela ao chão. A queda deixou Matt sem ar, suas costas batendo no chão, a dor invadindo seu peito, e a criatura sobre ele prestes a atacar.
Matt cerrou os punhos e em movimento de soco lançou uma rajada contra a criatura, se colocou em pé assim que ela voou para longe e repetiu o movimento, agora com a outra mão, a lançando ainda mais longe. Queria as prender no solo, fazer um buraco e as enterrar vivas, mas isso exigia uma manipulação mais precisa, a qual ele ainda não dominava.
Continuou dando socos no ar e lançado a criatura ainda mais longe, sem dar tempo para que ela levantasse, mas não percebeu as outras duas se levantarem atrás dele, deixando com que o empurrassem ao chão e agarrassem seus braços, o deixando de joelhos enquanto a outra criatura levantava.
Matt parecia estar sendo agredido por aquelas gangues de marginais que habitavam em alguns reinos de Gaila, e isso era estranho, sempre pensou que os transmutados não pensassem, que eram apenas monstros sem sentimentos, mas aqueles movimentos pareciam combinados, nenhuma das duas criaturas que o seguravam pareciam querer o matar, pareciam o estar segurando para a outra, a maior das três, certamente a líder do grupo.
Matt viu ela se levantar, o corpo com mais de dois metros de altura, as costas levemente arqueadas com os ossos da coluna se pressionando contra a pele escura e coberta de sinais de antigas lutas.
A criatura se aproximou, o chão tremendo com seus passos, Matt tremendo, ele não sabia o que fazer, não conseguia manipular sem as mãos, não sabia ainda, era jovem e tinha muito treinamento pela frente, mas se os seus pensamentos se tornassem realidade jamais treinaria novamente.
O transmutado chegou perto de Matt, ele podia sentir o bafo da criatura em seu rosto, mesmo com a cabeça baixa e alguns fios de cabelo lhe escondendo a face. A criatura abriu uma das mãos, mostrando as garras, a levou até perto de seu rosto, fazendo um lento e doloroso corte em sua bochecha com a ponta de uma das garras.
O sangue escorreu pela sua carne branca, as lágrimas também, o coração batendo, sentiu as garras da criatura atravessando sua barriga, rasgando seus tecidos, seus órgãos, levando sua vida embora. As outras duas criaturas o largaram, ele caiu deitado no chão, olhando para cima, a visão já ficando turva, a boca se enchendo de sangue.
Conseguiu ver a criatura aproximar sua garra dele novamente, mas dessa vez ela não atacou, em seus olhos conseguia ver que ela entendia que já havia ganhado aquela batalha. O transmutado abriu novamente a mão e com um forte e rápido movimento arrancou o colar do pescoço de Matt. Depois foram embora.
Matt as escutou saindo de perto dele, atravessando o portal, sentiu o portal fechando de alguma forma, a energia deixando a clareira e voltando a seguir seu curso, a energia saindo de seu corpo e a dor o dominando.
Gritou. O mais alto que pode. As lágrimas correndo pelo rosto, o sangue o afogando na boca, o desespero querendo sair. Chamou por alguém, mas sabia que ninguém viria, com suas últimas forças lançou inúmeras rajadas para cima, querendo acertar alguma coisa, querendo ajuda de alguém.
Suas forças se esgotaram, seu corpo se esgotou, sua mente finalmente parou de pensar.

A NONA TRIBOOnde histórias criam vida. Descubra agora