Capítulo 15
O café da manhã foi muito estranho, Lash e sua mãe o tomaram juntos na mesa da cozinha, mas nenhum dirigiu uma palavra sequer ao outro, apenas algumas trocas de olhares e frases pequenas como Me alcança o leite ou Pode cortar uma fatia de bolo pra mim?
Quando terminaram a mãe de Lash subiu as escadas para terminar de se arrumar enquanto ele retirava a mesa e lavava as poucas peças de louça que haviam sujado, não demorou muito para que ele estivesse pronto esperando o ônibus da escola no sofá da sala, enquanto escutava música com o celular, e para que sua mãe voltasse do banheiro, pronta para trabalhar.
Ela foi até a mesinha ao lado da porta, pegou as chaves do carro, vestiu o sobretudo que estava pendurado do outro lado da porta e parou com a mão na maçaneta, sem coragem para abrir, querendo falar e pensando nas palavras certas.
- Seu ônibus está atrasado!
Lash tirou um lado dos fones do ouvido.
- Daqui a pouco ele chega...
- Filho - Ela largou a maçaneta e veio até perto do sofá, encarando Lash sentado -, desculpe por ontem, eu estava nervosa, não quero que fique bravo comigo. Só espero que entenda a minha preocupação!
Ele a olhou, viu seus olhos cheios de lágrimas, mas que ela não deixava escorrer pelo rosto, percebeu que estava se esforçando ao máximo para manter tudo sob controle, seus sentimentos sob controle.
- Tá bom mãe. É que as vezes eu me faço perguntas que não podemos responder.
Ela se sentou no sofá ao lado do filho encarando a mesinha de centro da sala.
- Eu entendo querido! É difícil viver sem ter ninguém para se apoiar. Eu entendo isso!
- Não que eu não tenha ninguém. Mas de uma geração inteira, de toda uma linhagem, sobramos apenas nós dois? É difícil acreditar!
- Eu sei filho! Eu sei...
Ela colocou a mão no joelho de Lash, fez um carinho e se levantou, pegou suas coisas e foi trabalhar com uma breve despedida. Ele conseguiu ouvir a porta batendo, o carro ligando e indo embora, e o ônibus da escola parando e buzinando, com pressa como sempre.
Pegou suas coisas e saiu, sentou no lugar de sempre e fez todo o trajeto observando as mesmas coisas de sempre, porém desta vez com muitos pensamentos na cabeça, não só trabalhos e notas, livros e redações, agora estava ansioso, estava prestes a encontrar talvez a única pessoa que pudesse responder suas perguntas.
Depois de alguns minutos o ônibus parou e todos desceram, haviam chegado, e Lash nem precisava olhar pelas janelas para perceber, conseguia escutar os muitos sons que vinham da escola. As pessoas conversando, skates andando de um lado para outro, músicas de todos os estilos musicais possíveis, risos, livros sendo folheados.
Quando desceu do ônibus, por último, aquela explosão visual tomou conta de sua mente. Cabelos coloridos e penteados extravagantes, roupas da moda de diferentes gostos, danças de rua em alguns cantos do pátio, grupos espalhados por todos os lados. Pensava em como as pessoas se ajustavam facilmente aos grupos sociais, e em como isso fazia diferença, pelo menos na escola, o que o deixava chateado ás vezes por não se sentir enquadrado por nenhum deles.
Assim que o ônibus partiu olhou em volta se certificando de que nenhum professor o havia visto chegar, não que ele realmente se importasse com o que os outros pensassem sobre onde ele ia ou deixava de ir, mas não queria correr o risco de ter sua fuga delatada a sua mãe pelo diretor mais tarde.
Não era um dia frio, não como aqueles dias de inverno rigoroso quando toda a roupa não parecia suficiente, mas estava frio, pelo menos naquele início de manhã, o que o fez colocar as mãos nos bolsos e encolher a cabeça entre os ombros. Sempre achou super-proteção demais a frase Pegue um casaco Lash, vai esfriar, que sua mãe adorava lhe dizer, mas naquele dia desejou que ela a tivesse dito alguns momentos mais cedo
Atravessou a rua assim, encolhido no próprio corpo, e se afastou da escola vagarosamente, tentando ir o mais rápido que podia, ou que conseguia com o tempo tão frio, mas que certamente esquentaria com o passar do dia. Esse era um dos pontos que o fazia detestar as aulas pela manhã, o clima frio quando saia de casa e as manhãs quentes que se desenrolavam com o passar do dia.
Enquanto caminhava tentava novamente entrar em contato com os grandes corpos, como fizera no dia anterior, mas não conseguia se concentrar o suficiente, a rua estava muito movimentada, talvez por ser um horário em que muitas pessoas vão para seus afazeres diários, e também o frio, sem contar o fato de que o colar estava guardado dentro da mochila, bem enrolado dentro do estojo, para evitar qualquer imprevisto, e Lash havia chegado a conclusão de que as coisas estranhas aconteciam apenas quando ele tinha o colar em contato direto com ele mesmo.
Foi andando pelas ruas tentando imaginar quem encontraria lá, o que falaria, o que ouviria, a reação do homem ao escutar o que estava acontecendo com ele. Queria dizer tudo, queria saber tudo e queria deixar tudo claro para si. Na verdade tudo aquilo poderia ter sido evitado se o livro não tivesse simplesmente desaparecido da biblioteca, o que ele ainda achava estranho.
Ele sabia que o livro não tinha todas as respostas que queria, ou pelo menos era isso que pensava, já que não pode continuar sua pesquisa, mas pensava no motivo dele ter sumido, de ter desaparecido até mesmo dos registros da biblioteca. Será que um dos homens de terno o havia levado?
Riu sozinho na rua quando passou pelo sinal onde quase havia sido atropelado, e um arrepio lhe percorreu o corpo quando cruzou pela rua que dava no beco. Era difícil tentar entender no que havia se metido, talvez, como o homem mesmo dissera no e-mail, havia sido um acidente e na verdade o colar era de outra pessoa, o que queria dizer que aqueles acontecimentos também não pertenceriam de certa forma a ele, e sim a essa outra pessoa.
Mas bem lá no fundo desejava que não. Por um lado queria que não estivesse envolvido em nada muito perigoso, mas por outro ansiava em fazer parte daquilo tudo, estar em contato com o que ninguém mais estava, sentir o que ninguém mais sentia e fazer o que ninguém mais conseguia.
Quando chegou à biblioteca mal podia conter sua ansiedade, seu corpo inteiro tremia e sua cabeça estava a mil. Na recepção a mesma senhora que o atendera no outro dia, à sua frente mesas de pesquisa vazias. Escolheu um livro de leitura em uma das prateleiras, se sentou em uma das mesas e tentou deixar a mente vagar pela história até que o professor chegasse.
Por quase uma hora se deixou envolver pela narrativa do livro que lia, foi quando um homem entrou na biblioteca, quase 1,80 de altura, barba rala, um óculos com uma fina e sofisticada armação pendendo no nariz, o blazer combinando com a maleta e a blusa social para fora da calça jeans.
O homem parou perto da recepção olhando em volta, o cabelo fazendo sombra na testa, não falou nada à recepcionista, que o olhava esperando por algum pedido. Quando viu Lash, se aproximou da mesa.
- Lashton?
O nervosismo tomou conta de seu corpo novamente, fechou o livro devagar, largou na mesa e se levantou em sinal de respeito.
- Sim! O senhor é Alfred?
- Sou, mas pode me chamar de Fred!
Os dois trocaram um aperto de mãos entre sorrisos, Lash podia sentir o nervosismo de Alfred também e ambos pareciam ansiosos pela conversa que teriam. Sentados na mesa, um na frente do outro, os dois se encararam por um segundo, parecendo se analisar mutuamente, depois Lash decidiu fazer o primeiro movimento.
Pegou sua mochila, que havia colocado no chão encostada na cadeira, abriu e pegou seu estojo, de onde tirou o colar e o ergueu lentamente com uma das mãos, o deixando pendendo no ar.
Por um momento percebeu o vislumbre no olhar do outro homem, logo depois ele envolveu rapidamente o pingente com as mãos e o tirou de Lash.
- Você não pode ficar expondo o colar assim. Sabe o que aconteceria se ele fosse roubado?
- Pior que não! Na verdade eu não sei nada sobre ele, nem do que ele pode fazer ou por que estava no meu quarto. Por onde você começa?
Lash viu Alfred o encarar pensativo, ele parecia estar calculando muito bem as palavras que iria dizer.
- Esse colar é especial. Provavelmente você já deve ter percebido por ter ido atrás de meu livro e até mesmo de mim, o que é interessante...
- Por quê? Vamos começar pelo começo. Por que coisas estranhas acontecem comigo quando estou com esse colar?
- Calma garoto! Eu nem conheço você. Como posso lhe dizer coisas confidenciais sem nem mesmo saber quem é você?
Lash ficou nervoso. Ele quem queria fazer perguntas.
- Está bem! Eu sou estudante, moro com minha mãe e nada acontece de mais na minha vida. Sua vez...
- Bem, sou Fred, moro na cidade vizinha em um apartamento sozinho, dou aula de história na faculdade e quero saber sobre você.
A situação deixou Lash com certo medo. A princípio ele queria falar com aquele homem para obter respostas, mas agora ele parecia aqueles maníacos que conheciam pessoas para depois explorá-las. Se bem que foi ele mesmo quem havia iniciado o contato.
- Não. Olha meu senhor, eu contatei o senhor por que estou ficando com medo. Coisas estranhas acontecem quando estou com o colar e não sei o motivo. Homens de terno têm me vigiado nos últimos dias e tenho quase certeza de que invadiram minha casa e a revistaram inteira. Eu fiz coisas que parecem... Mágica...
O homem se inclinou para frente em um ato de cumplicidade.
- Mágica não existe Lashton. O que existe é química, física e interações que vão além do que qualquer um aqui sabe.
Lash se inclinou para frente também.
- Você fala das energias não é verdade? Eu li sobre elas no seu livro... Eu as senti outro dia...
Alfred se espantou. Parecia não esperar o que ouviu. Ele se inclinou ainda mais pra frente, falando ainda mais baixo.
- Como?
Os dois falavam baixo agora, mesmo sem ninguém na biblioteca.
- Eu senti as energias que você descreve em seu livro. Eu acredito que são reais. Mas ninguém mais parece acreditar. Por quê?
A perplexidade pareceu tomar conta do rosto de Alfred, a perplexidade e mais alguma coisa que Lash não conseguia ver, estava agora fazendo como fazia com sua mãe, olhando para dentro dos olhos, percebendo o que eles escondiam. Era alívio.
- Escute, Lashton, quero que me descreva exatamente o que sentiu.
Lash tomou o colar das mãos do homem, não parecia acreditar no que estava acontecendo, ele ainda não havia tido uma resposta sequer, mas o homem ainda insistia em fazer perguntas. Sua cabeça ficou a mil de novo, os fatos dos últimos dias passando em flash's na sua cabeça.
Os homens de terno, a casa revirada, o homem sumindo no beco, as luzes do refeitório, o vale com o castelo, a rua coberta de neve. Sentiu a cabeça doer com tanta confusão, as mãos esquentarem, estava ficando com raiva, do que estava acontecendo, de não saber o que estava acontecendo, de tudo.
Suas mãos esquentaram, sua mente pareceu esquentar, e dessa vez foi a luz do abajur da recepção que explodiu, deixando os três espantados, Lash, Alfred e a mulher velha do balcão.
Os olhos de Alfred se arregalaram na direção de Lash, que estava ainda com mais medo e mais espantado que os dois juntos. Ele olhou para Alfred quase chorando, com desespero nos olhos. Do balcão a senhora sumiu em uma porta atrás da recepção.
- Eu quero saber por que isso acontece, porque comigo? Por que não com você?
A pergunta pareceu causar certo impacto em Alfred, Lash o viu olhando em volta, parecendo procurar alguma coisa, foi quando seu estojo começou a andar para o outro lado da mesa, como se ele fosse feito de aço e alguém o estivesse movendo com um imã embaixo da mesa.
Com os olhos grudados no estojo ele o viu percorrer todo o caminho que ia de uma extremidade a outra da mesa, depois, ainda mais espantado, levantou os olhos para Alfred, que agora havia tirado os óculos.
- Acho que o colar está exatamente onde deveria estar.
A senhora voltou ao balcão, junto com dois homens de terno que entraram na biblioteca e se sentaram em uma mesa perto de Lash, parecendo encarar os dois.
- Senhor Alfred...
- Fred, já disse.
- Desculpe! Fred, temos que continuar nossa conversa em outro lugar. Tenho medo desses homes e tenho medo do que eles podem fazer com a gente.
- Concordo com você, mas antes saiba que não é loucura o que está acontecendo com você. É exatamente isso que tem que acontecer.
Lash enrolou o colar no pulso novamente, guardou o estojo na mochila e levantou seguido por Fred. O professor colocou a mão no bolso e retirou um cartão, o entregando à ele.
- Aqui tem meu telefone. Retomamos nossa conversa assim que encontrarmos um local seguro. Me ligue se precisar de alguma coisa e por favor, cuide desse colar, ele não pode sair de perto de você!
Lash pegou o cartão e o guardou no bolso, assentindo com a cabeça e concordando com as palavras do professor. Colocou a mochila nas costas e saiu da biblioteca, não viu para onde Fred foi ou o que os homens fizeram quando saíram, apenas saiu e caminhou o mais rápido que podia sem olhar para trás.
Só se acalmou quando chegou na quadra da escola, talvez fosse pela familiaridade do lugar ou por saber que sua casa estava mais perto agora, sabia que estava mais calmo, ninguém o seguia e o colar ainda estava com ele, assim como o cartão com o telefone de Fred, agora teria de resolver o que faria.
Ainda tinha metade da manhã pela frente, pensou em ir para a escola, daria alguma desculpa pelo atraso e tentaria entrar para assistir os últimos períodos de aula, mas tinha medo da direção querer ligar para sua mãe para confirmar a história, então achou melhor não ir.
Para a biblioteca não voltaria, isso ele sabia, ainda mais depois que viu que a senhora da recepção trabalhava com os homens de preto, e se voltasse para casa tinha medo de sua mãe chegar antes do ônibus passar, então estava meio sem saída, então lembrou que sua mãe havia saído antes dele de casa de manhã, quando ela chegasse diria que tinha ido de bicicleta.
Continuou a caminhar pelas ruas, fazendo o mesmo caminho que fazia todas as manhãs indo para a escola, olhando tudo em volta, refazendo o encontro da biblioteca na cabeça em cada palavra, cada ação, cada momento. Se lembrou do que Fred havia dito, Mágica não existe Lashton. O que existe é química, física e interações que vão além do que qualquer um aqui sabe.
Talvez fosse isso mesmo, nada de loucura ou de poderes, apenas química e física, o que fazia sentido. Se lembrou também do que o livro falava, sobre as energias e as interações. Tudo parecia fazer sentido, na verdade sempre fizera, mas só agora um insight o fez compreender. As pessoas eram criadas a partir de energias, tudo no universo funcionava a partir de energias e interações, e ele estava conseguindo se sentir parte dessas energias, e pelo que havia visto Fred também conseguia, e ele conseguia manipulá-las, como havia feito com o estojo na mesa.
Talvez Lash também conseguisse, por isso as luzes do refeitório e o abajur, por isso via aqueles lugares estranhos, mas ainda tinha dificuldade em entender o outro mundo de que o livro falava, queria ter perguntado isso à Fred na biblioteca mas não teve nem chance.
O que ele havia conseguido entender era a parte da interação, o que era completamente racional, o mundo era feito de energias, assim como as pessoas, então tudo interagia.
Era como se o mundo fosse embaixo d'água, sendo a água as energias, várias águas diferentes no mesmo espaço, e as pessoas andando por elas, como andar no fundo de uma piscina gigante, as águas se curvando em sua volta, enchendo a pele, os olhos, os ouvidos, interagindo com a água de dentro do corpo, e a maioria das pessoas sem nem mesmo notar essas águas ali, presentes.
E algumas pessoas, por talvez terem mais água dentro de si, conseguiam sentir as águas em volta, conseguiam manipular essas águas, como ondas que se formavam a partir de um forte movimento do braço, conseguiam nadar mais rápido, conseguiam fazer as marés se moverem a seu favor, e Fred era uma dessas pessoas, ele conseguia mover essas águas, os grandes corpos, e talvez Lash também conseguisse.
Quando chegou em casa foi direto para o quarto, largou a mochila na cama, tirou as coisas da escrivaninha e colocou seu estojo bem no meio dela, iria conseguir fazer ele andar assim como Fred havia feito na biblioteca.
Segurou o pingente do colar firme na mão, se concentrou no estojo, tentou se sentir parte dos grandes corpos novamente, livrou a mente de suas preocupações e focou sua atenção o máximo que conseguiu.
Sentiu o corpo formigando, a mão esquentado, as águas invadindo o espaço e ele mesmo, conseguiu sentir as energias à sua volta, passando através dele, seu corpo doando energia para o espaço e o espaço retribuindo, era como se aquilo sempre acontecesse, mas somente agora ele havia conseguido perceber e sentir.
Mas o estojo não se mexia.
Ficou ali concentrado por vários minutos, acreditando que seria capaz se conseguisse se concentrar o suficiente, mas nada, o estojo continuava ali, imóvel. Correu o olho pela escrivaninha, talvez algo menor, tentou com uma borracha no canto, os lápis do porta-lápis, um pedaço de papel, nada se movia.
Ficou desanimado, mas tentou não deixar que isso tirasse sua concentração, Por que eu não consigo mover as coisas?, pensou. Tentou se lembrar dos momentos em que tinha feito coisas estranhas na escola ou na biblioteca e então seus olhos encontraram a lamparina de luz branca da escrivaninha.
Talvez as luzes...
Concentrou-se agora na lâmpada branca, tentando fazê-la se apagar talvez ou até mesmo mover-se de um lado ao outro. Focou novamente sua atenção, fez todos os outros pensamentos desaparecerem, em sua mente só a lâmpada pairava, a lâmpada e as águas.
Depois de alguns segundos começou a sentir a interação de que tanto tinha pensado, sobre a qual tinha lido e a que ansiava em ter, sentiu o espaço entre ele e a lâmpada se mover de algum modo, uma energia se intensificando, como se os dois estivessem ligados por um fio de energia. A lâmpada brilhou o máximo que pode e explodiu em pequenos e finos cacos.
Lash se escorou para trás na cadeira com um sorriso nos lábios, mal podia acreditar no que havia feito, ria sozinho se maravilhando com os cacos da lâmpada, era tudo real. Girou na cadeira e ficou de costas para a escrivaninha, desta vez encarando e se concentrando na lâmpada do teto, alguns segundos se passaram e Paft, cacos voaram por todo o quarto.
Desta vez uma risada lhe encheu o corpo, uma satisfação muito grande, uma ansiedade em fazer mais daquilo, ele havia conseguido explodir duas lâmpadas, sem contar com as da escola e da biblioteca, ele sozinho havia conseguido fazer isso.
Saiu do quarto e parou no corredor, o enchendo de cacos quando explodiu as duas lâmpadas que iluminavam o lugar, desceu as escadas e se concentrou nas lâmpadas do ventilador da sala, as fazendo desmanchar em pedaços, ele ria sozinho a cada explosão, pulava de euforia, se deixava encher pelo sentimento bom que o invadia.
Parou em frente à porta da casa e se concentrou na lâmpada de entrada, ela acendeu, brilhou intensamente e explodiu, a porta abriu, sua mãe o olhava parada na porta.
- Mãe?! Eu...
Ela passou por ele e subiu as escadas quase correndo, sem perceber os cacos pequenos que caíam em seu cabelo, ela subiu e foi até seu quarto, parecia assustada, com medo, Lash a seguiu.
- Mãe o que houve? O que aconteceu?
Ele esperava uma bronca por estar em casa tão cedo, esperava qualquer coisa, qualquer palavra, mas ela não dizia nada, o que o deixava com medo também, nunca a havia visto daquele jeito e não queria nem pensar no motivo de ela ter ficado assim.
Ela entrou no quarto rapidamente, abriu as portas do roupeiro e começou a jogar várias peças de roupa na cama.
- Mãe, por favor, fale alguma coisa!
Ela pareceu acordar de seus pensamentos, olhou em volta parecendo não entender onde estava ou o que estava fazendo ali, olhou para Lash parado na porta, com cara de medo.
- Filho! Vá para o seu quarto e arrume sua mochila. Pegue roupas e o que mais achar necessário. Vamos viajar por alguns dias.
Ele estava paralisado, perplexo pelo que estava acontecendo e com medo ao mesmo tempo. O que estava acontecendo e qual o motivo de sua mãe estar agindo daquela maneira? Sem pigarrear foi até seu quarto e fez o que ela lhe tinha mandado, ela parecia muito perturbada para dar uma ordem dessas sem motivo.
Arrumou sua mochila o mais rápido que pode, pegou algumas camisetas no armário, calças, meias, cuecas, colocou tanto quanto sua mochila suportava, pegou o carregador do celular e sua carteira com seus documentos, quando saiu pela porta viu sua mãe o esperando no corredor com uma pequena mala vermelha arrumada.
Ela o viu, fez um sinal com a cabeça e começou a descer as escadas, parecendo ignorar os muitos cacos de vidro que tomavam o chão, foi até a porta, colocou a mão na maçaneta e parou seus movimentos abruptamente.
Eles estão aqui!
Ela olhou para Lash, Corre, gritou.
Lash não entendia mais nada, mas nem se esforçava em entender agora, estava com medo, muito medo, sua mãe também estava, e isso o deixava ainda mais apavorado. Escutou sua mãe gritar da porta e a viu correndo para a porta de trás, pulou os últimos degraus da escada a tempo de ver sombras de pessoas por baixo da porta, alguém estava na área, pelo menos duas pessoas, querendo entrar.
Olhou pelo lado da escada e viu sua mãe correndo desajeitadamente, a seguiu, assim que virou de costas para a porta um estrondo tomou conta do lugar junto com uma claridade súbita, a porta não estava mais em seu lugar, estava agora caída nos degraus da escada, e em seu lugar dois homens de preto esperavam em pé.
Quando a mãe de Lash foi abrir a porta de trás ela voou para fora, dando lugar a outro homem, ela quase caiu tentando parar, largou a mala no chão e entrou para a direita, numa porta que dava no escritório, foi até ele e saiu em outra porta, agora na sala novamente, sempre seguida por Lash.
Os dois estavam praticamente encurralados, dois homens estavam parados na saída perto da escada e um na porta que dava para o escritório, não falavam nada, apenas avançavam lentamente.
A mãe de Lash estava chorando, não por medo do que lhe poderia acontecer, mas pelo que poderia acontecer a seu filho. Ela estava com os braços abertos, protegendo Lash com seu próprio corpo.
Um dos homens fez um movimento com a mão e a mesa de centro da sala voou até a parede, se desfazendo em pedaços, o outro mexeu as duas mãos ao mesmo tempo e os sofás voaram para os lados, estavam abrindo caminho.
Os dois estavam cercados, não tinham saída. Desesperada, Helen olhou para trás, viu a grande janela de vidro que ocupava praticamente toda a parede, olhou novamente para os três homens, juntou os braços na frente do corpo e se concentrou.
Lash conseguia sentir a presença de todos de uma maneira totalmente diferente, o espaço inteiro parecia perturbado, carregado. Estava com muito medo e não sabia o que fazer, tinha medo de algo acontecer com sua mãe, ele não tinha mais ninguém e se algo acontecesse a ela ele se desesperaria.
Com um movimento rápido ela abriu novamente os braços, e com nuvens, estrondos e raios pretos com roxo lançou os três homens ao chão, depois girou o corpo e apontou a mão para a janela, fazendo o vidro estourar e virar uma chuva de cacos, abraçou o filho, lhe beijou o rosto fortemente.
- Eu te amo filho. Nunca se esqueça disso!
Ele tentou falar alguma coisa, mas o pavor ainda o dominava, atrás dela os homens já levantavam e agora ela já havia o soltado. Helen se afastou alguns passos do filho e chorando esticou a mão na direção dele, um raio preto pareceu sair de sua mão e atingir Lash no peito, o fazendo voar através da janela, fazer um buraco na cerca de madeira e cair deitado na rua.
Ele se levantou rapidamente, olhou pelos pedaços de madeira que pendiam na cerca e viu sua mãe lutando com os três homens, gritou por seu nome, soluçava em meio ao choro, escutou sua mãe o mandando correr, correu.
Correu o mais rápido que conseguiu, não sabia para onde ir ou quando deveria parar, mas corria, a adrenalina e o medo não o deixavam sentir as costas cortadas pela madeira e pelo asfalto, e o medo o fazia querer ir ainda mais rápido, as lágrimas lhe deixando a visão embaralhada.
Correu por várias quadras e parou em uma pequena praça, onde várias pessoas o observavam espantadas, um garoto com as costas cortadas, chorando e ofegante. Ele não sabia o que fazer, sabia que aquilo tinha a ver com o colar e com toda aquela confusão em que havia se metido, a polícia não poderia ajudar em nada, nem nenhuma outra autoridade que conhecia, provavelmente, àquela altura, os homens de preto já haviam desaparecido com sua mãe.
Procurou se acalmar, respirou fundo, secou as lágrimas dos olhos, mas que mesmo sendo secas continuavam a cair, e pegou o celular no bolso, vasculhou a agenda buscando o número de alguém que pudesse ajudar mas não encontrou. Levou as mãos à cabeça desesperado, sua mãe, o que estaria acontecendo a ela?
Lembrou do cartão de Fred, pegou no outro bolso e ligou, o telefone chamou, chamou, chamou de novo e ele atendeu.
- Sim?
- Fred, é o Lashton, eles invadiram minha casa cara, levaram minha mãe... Eu...
Ele começou a chorar novamente, não conseguia relembrar os fatos sem se sentir culpado pelo que havia acontecido. Escutou Fred falando alguma coisa sobre ainda não ter pego o ônibus que o levaria de volta, falou seu endereço meio atordoado e desligou.
Ficou alguns minutos ali parado, sendo alvo dos olhares de muitas pessoas, se acalmou e decidiu voltar para casa, Fred estava indo para lá e se tivesse sorte sua mãe poderia estar lá também.
Caminhou algumas quadras, depois correu, de longe podia ver pedaços de madeira no meio da rua lateral de sua casa e a cerca destruída. Quando chegou mais perto, entrando de volta em casa pelo buraco por onde sua mãe o havia lançado alguns instantes atrás, viu a sala completamente destruída, o forro perfurado, as paredes esburacadas, os móveis quebrados. Sua mãe não estava mais ali.
Fred entrou correndo pela porta, Lash viu algumas pessoas se aglomerando na frente da casa, tudo havia desmoronado em poucos segundos, sua vida reduzida em migalhas. Fred o abraçou, em um gesto de consolo, mas nada mais poderia preencher o vazio que sentia.
- Precisamos conversar Lashton! Você precisa saber o que está acontecendo!Fim da primeira parte
VOCÊ ESTÁ LENDO
A NONA TRIBO
FantasyPrimeiro livro da série -A Nona Tribo A Nona Tribo - O Despertar E se o mundo à sua volta e você fossem conectados e se misturassem de uma maneira que um novo e impressionante leque de possibilidades se abrisse à sua frente? Se sua concepção de exis...