Primeira Parte - Capítulo 12

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Capítulo 12
Seu corpo o mandava paralisar, sua mente o mandava paralisar, mas a situação não permitia, estava tomado pelo medo e pelo pânico, mas não podia ficar ali agora, teria de correr, fugir, ir para o campo de treinamento e buscar ajuda, havia conseguido derrotar dois transmutados há pouco, mas logo eles se levantariam e viriam em sua caça.
E Jessie.
Nunca havia pensado que sentia um sentimento tão forte por ela, nunca havia pensado que se importaria tanto com ela, agora seu sentimento já não importava mais. Ela estava morta, a garganta sangrando e o transmutado ali, parado com as garras ensanguentadas parecendo apreciar o que acabara de fazer.
Ele olhou para a criatura. Como alguém que um dia fora um humano como ele poderia fazer uma coisa daquelas? A criatura retribuiu o olhar, um olhar pesado, marcante, parecendo querer falar alguma coisa, e então investiu contra ele.
Matt se lançou ao ar para se esquivar, agora precisava tomar uma importante decisão em poucos segundos. Sabia que tinha que fechar o portal, não poderia arriscar ter mais transmutados ali, mas sabia que se ficasse seria morto. Não era uma escolha fácil, teria de escolher entre a sua vida e talvez a vida daquele mundo onde estava. Seria egoísta de sua parte se fugisse agora.
Viu a criatura chegar à uma árvore e a subir rapidamente em sua direção, se lançou para frente, ainda no ar, tentou se concentrar no rápido ritual, desceu ao chão, caindo perto de uma das criaturas desacordadas, viu a outra que estava no chão acordar aos poucos, acima de si, a outra pulava em sua direção.
Com um movimento rápido lançou a criatura que caía para o lado, fazendo com que caísse longe dali, depois se virou e jogou um galho, que anteriormente o havia acertado, em cima da criatura que acordava. Teria alguns segundos.
Concentrou-se o máximo que pode, juntou energia, e começou a fechar o portal, quando viu que o processo de fechamento estava iniciado se lançou ao ar e foi em direção ao campo de treinamento, em uma sucessão de rajadas de energia que o lançavam para frente e para cima ao mesmo tempo.
As árvores iam passando por ele como se fossem raios, e tentava ir cada vez mais rápido, atrás dele podia sentir as criaturas acordando e vindo em sua direção pela copa das árvores, sentia a vontade delas em ter seu sangue nas mãos, sentia o desejo de morte que tinham.
Enquanto pulava entre as árvores se culpava pela falta de atenção que tivera deixando as criaturas entrar naquele mundo, tentava calcular o estrago que poderiam fazer, eram apenas três, mas podiam acabar com boa parte daquele mundo até serem derrotadas. Ele não poderia fazer isso sozinho, não conseguiria fazer com que voltassem, precisava de ajuda.
E se lembrava de Jessie, seu corpo caindo, cedendo às garras afiadas da criatura, a criatura parecendo apreciar o momento, nunca mais se esqueceria, jamais tiraria essa lembrança de sua mente, e era culpa sua. Se tivesse revidado quando viu a criatura ainda em Gaila, ela não teria chegado àquele mundo, não estaria ali agora e não teria matado Jessie.
De longe avistou a grande redoma de pedra, podia ouvir as criaturas pulando de árvore em árvore vindo em sua direção, mas sabia que não conseguiriam atravessar a grossa camada de pedra que cercava o campo de treinamento, tinha uma chance, teria de entra o mais rápido possível, conseguir ajuda e sair antes que as criaturas se dispersassem e fossem vistas por alguém daquele mundo.
Deixou-se cair ao chão, correu até a parede de pedra e com um movimento com os braços afastou as duas grandes rochas da entrada, entrou correndo e colocou-as novamente no lugar.
- Socorro! Pai! Ajudem por favor!
Ele ia gritando e correndo em direção à Casa Grande, ninguém estava na arena e provavelmente estariam lá agora. Viu seu pai saindo pela porta da construção sendo seguido pelos outros.
- O que foi Matt? Qual o motivo da gritaria? Onde está Jessie?
Matt correu até o grupo e caiu de joelhos perplexo, não chorava, nem ao menos tinha vontade, mas ali, de volta ao campo de treinamento, parecia que nada daquilo havia acontecido, tinha sido tudo tão rápido, tão imprevisto, tão bizarro que parecia ter sido apenas uma alucinação de sua cabeça, uma brincadeira de sua mente com ele mesmo.
Ele queria acreditar nisso, queria imaginar que tudo estava bem, queria que tudo estivesse. Queria que a guerra nunca tivesse começado, queria sua mãe de volta, queria Jessie de volta, mas elas haviam o deixado, a guerra havia as tirado dele, a guerra havia tirado muito de todos, e não podia mudar isso.
Olhou para seu pai, não conseguia dizer nenhuma palavra, sua garganta parecia travada, seus braços, pernas, finalmente havia cedido ao pânico, a realidade pesava em sua cabeça agora, acreditava no que havia visto e presenciado, mas não aceitava.
Seu pai colocou as mãos em seu rosto e o dirigiu ao dele, olhou fundo nos seus olhos, Matt finalmente se sentiu seguro, sabia que podia contar com seu pai para qualquer coisa, sabia que ele estava ali, que era real.
- Matt, fale comigo. Me diga o que aconteceu.
Ele se colocou em pé diante do pai.
- Eu atravessei o portal e eles estavam lá... Três... Eles me jogaram de volta e vieram atrás de mim... Jessie ela...
Foi quando um som o fez paralisar novamente, os olhos arregalaram-se, se livrou das mãos do pai e recuou alguns passos, direcionando seu olhar para cima, eram as criaturas, estavam ali, estavam chegando. Algumas folhas caíram. Viu os galhos das árvores sobre o campo de treinamento se agitarem.
- O que Matt? Quem estava lhe esperando?
Era tarde demais, o olhar de todos se voltou para cima, uma criatura estava parada em um galho olhando para baixo, parecendo registrar o que via. Gritou, urrou, seja lá como se chamava o som que emitia, era um grito ensurdecedor, estava chamando as outras.
Todos se agitaram demonstrando certa perplexidade, não sabiam como transmutados podiam estar ali, e ainda estavam curiosos por saber o que havia acontecido a Matt e Jessie, mas não podiam dar espaço a curiosidade agora, não tinham tempo para isso, logo as criaturas estariam no chão com eles e precisavam enfrentá-las, pois mesmo estando em maior número sabiam que seria uma luta difícil.
Aquelas criaturas eram feitas para nunca pararem, nunca desistirem, eram rápidas, fortes e não tinham coração, ou pelo menos ele não se manifestava em combate.
Em poucos instantes as três criaturas estavam paradas sobre o campo de treinamento, observando, enquanto embaixo todos já as esperavam em posição de ataque, sabiam que não podiam atacá-las, não podiam deixar com que aquele mundo soubesse que estavam lá, teriam de esperar até que descessem.
Como um raio uma delas veio ao chão, simplesmente caiu em pé mesmo vindo de metros de altura, caiu e gritou, os dentes à mostra, os lábios tremendo com a força que tirava dos pulmões, gritou e investiu contra o grupo.
Com um braço lançou três ao chão, enquanto pelo outro lado era atingida por inúmeras rajadas de energia. Em poucos instantes as outras duas também já estavam ao chão, urrando e atacando com golpes vorazes, rápidos e precisos, todos parecendo calculados.
Clerig e Yhuan, da casa de Saicon da terceira tribo, investiram em conjunto contra uma das criaturas, acreditando que podiam derrotá-la. Juntos lançaram rajadas sônicas no transmutado e o atiraram no chão, enquanto Noah tentava extrair metais do solo e imobilizar as suas garras.
Com a outra criatura lidavam todos os membros da primeira tribo, dominando habilmente a energia luminosa e tentando deter a criatura. Em um ataque simultâneo Lyahn e Clancy cegaram a criatura, enquanto por trás dela Poah e Marylan a atacavam fortemente, mas nada parecia conseguir perfurar a grossa pele do transmutado.
O restante lidava com o terceiro monstro, o maior deles, mas assim como os outros nada parecia detê-los. Com grande esforço Sik fez uma das criaturas levantar no ar e ficar imóvel, mesmo sentindo suas forças serem completamente drenadas manteve ela suspensa o quanto pode, dando chance aos outros para destruí-la.
Morgan e Prudence, percebendo o esforço de seu líder, içaram duas grandes pedras ao ar e lançaram à criatura com o intuito de esmagá-la, os dois pedregulhos voaram e se chocaram contra o animal em uma nuvem de estrondo, fumaça e pedras menores voando. Um grito agudo de dor pode ser ouvido vindo do transmutado. Sik já sem forças caiu desmaiado no chão e os outros dois olhavam tudo apreensivos.
Quando o grito ecoou pelo campo de treinamento as outras duas criaturas pararam, pareciam de certa forma sentir o impacto em sua companheira, gritaram também, ainda mais forte do que antes, e investiram ferozmente contra quem os atacava.
Um dos animais, cercado por pessoas, esticou as grandes garras e girou sobre um dos pés em um ataque circular, atingindo todos à sua volta, dos quais alguns não levantaram mais. A segunda, que se via na frente de Poah, correu em sua direção e abriu as duas mãos mostrando as garras, prestes a atacar. Poah, percebendo o ataque eminente concentrou energia e lançou uma bola de luz em direção à criatura, mas já não havia mais nada em sua frente, pode apenas perceber um vulto girando sobre a sua cabeça, caindo em pé atrás de si e seu pescoço sendo atingido pela última vez.
Assim que terminou o giro de ataque à Poah, a criatura percebeu Lyahn se aproximando e girou novamente, mas agora abaixada, derrubando ele no chão e cravando suas garras em seu peito.
Não demorou muito para a criatura que havia sido atingida pelas pedras se recuperar e ajudar suas companheiras. O que se seguiu dali foi uma sucessão de ataques, rajadas de energia e gritos agonizantes.
Minutos, foi o que durou o ato heróico dos homens e mulheres que se encontravam no campo de treinamento, nada além disso. As criaturas pareciam prever todos os ataques e se esquivavam de todos, atacando e matando todos à sua volta.
No chão, com a visão turva e o corpo doendo, fraco, Sik via a destruição que causara àquelas pessoas, a esperança falsa que havia lhes dado, o próprio pensamento ilusório de que podia terminar com aquela guerra. Se culpava por ter arrastado aquelas pobres pessoas até o lugar de sua morte, pensava na família de todos, nas esposas, maridos e filhos que o condenariam por ter sido o arquiteto daquela missão suicida. Pensava no mundo que havia deixado para trás, o mundo que havia sido dominado e que jamais conseguiria se erguer novamente, o mundo que um dia havia sido calmo e pacífico e que pelo ódio e ganância havia se tornado um lugar sombrio, berço de mortes, túmulo de sonhos.
Continuou olhando em volta, seus sentidos falhando, via cada vez mais pessoas caindo, mas quem procurava não estava ali, seu filho, Matt, o que havia sobrado de sua família, a única coisa que tinha, havia sumido. Talvez estivesse morto, talvez o estivesse esperando em um outro mundo que ainda não conhecia, o mundo de onde as energias tinham vindo.
Sentiu o peito arder, o coração acelerar, viu um transmutado com as garras transpassando seu tórax. Sentiu a vida deixando seu corpo, sentiu-se voltando a fazer parte das energias que vagavam pelo espaço.
- Eu te perdôo meu amigo!
Sabia que aquela criatura não tinha culpa do que estava fazendo, sabia que não teria mais nenhuma chance, sentia que já não podia permanecer naquela existência física. E não mais existiu daquela forma.

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