Primeira Parte - Capítulo 8

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Capítulo 8
Lash se sentiu aliviado ao ver que tinha acordado alguns minutos antes do despertador soar, não queria repetir a correria do dia anterior e se sentia bem em levantar alguns minutos antes, o que nem sempre era uma boa ideia.
Só depois de levantar percebeu que havia dormido ainda com a roupa do dia anterior, aproveitou que tinha acordado antes do que o normal e foi tomar um banho, ansiava por poder deixar a água morna do chuveiro percorrer seu corpo enquanto tentava colocar os pensamentos em ordem.
Era difícil ter como a opção mais aceitável para explicar seus últimos acontecimentos a existência de um mundo alternativo, pois por enquanto era a única coisa que explicava suas estranhas visões, os homens de terno aparecendo e desaparecendo e o estranho colar.
Ele ainda não havia lido o suficiente do estranho livro da biblioteca para chegar na parte onde se falava do símbolo da capa, e consequentemente no colar, mas sabia que essa resposta estava lá, perdida no meio de centenas de páginas amareladas aguardando por ser encontrada.
Era estranhamente reconfortante ter a sensação da água morna o envolvendo, sempre fora assim, desde quando era criança, sem saber o motivo sempre conseguiu pensar melhor no banho, era quando a água caia em sua cabeça, descia pelo seu pescoço e pelas costas até chegar aos pés que conseguia colocar sua mente em ordem e trazer solução aos problemas mais difíceis do seu dia-a-dia.
Enquanto ficava ali parado com a água correndo pensava em como tudo aquilo era estranho, pensava no motivo de ninguém nunca ter tido as mesmas experiências, ou pelo menos nada que fosse documentado, pensava em como o autor do livro sabia tanto, mas era muita coisa para ser resolvida em um único banho.
Assim que saiu do banho com a toalha enrolada na cintura, indo correndo pelo corredor em direção ao seu bagunçado quarto, conseguiu sentir o envolvente aroma de leite quente e bolo recém assado, como sempre sua mãe já deveria estar com o café da manhã pronto o esperando.
Nesses simples momentos do dia, em que sua mãe era extremamente prestativa e carinhosa com ele, ele se perguntava como seria se seu pai estivesse em cena. Na verdade ele nunca conheceu o homem que havia lhe trazido à vida junto com sua mãe, e ela nunca havia lhe dado muitas explicações, ela sempre o havia dito que ele a abandonara enquanto ela ainda estava grávida, e essa explicação sempre o satisfazia, porém em alguns momentos gostava de pensar em como seria sua vida se ele ainda estivesse por perto. Não que ele não gostasse da vida que sua mãe lhe dava, pelo contrário, achava-se privilegiado por ainda tê-la ao seu lado, mas pensava em como faria diferença na sua vida se seu pai vivesse com eles, pensava em pequenas coisas como mais um aparelho de barbear no armário do banheiro, alguém assistindo os jogos de futebol dos domingos enquanto ele lia em seu quarto, alguém para ler o jornal e se despedir com um firme tapinha no ombro quando saia para trabalhar. Pensava nas pequenas coisas que fariam diferença.
Na verdade ele sempre percebera certo vazio em sua mãe, ela nunca deixava transparecer nada, mas ele conseguia ver em seus olhos um buraco em sua alma, uma profunda tristeza por algo que ela não ousava mencionar, talvez com medo de trazer aquela velha dor enterrada há anos em sua mente de volta à sua vida. Ele achava que poderia ter a ver com a história de seu pai, que era algo bem mais complicado do que apenas um abandono, não que um abandono no meio de uma gravidez fosse fácil, mas parecia ser alguma coisa pior do que isso. Ele nunca havia dito à sua mãe, mas já a havia visto várias vezes chorar em silêncio em seu quarto. Ele conseguia ver a preocupação que ela tinha em manter ele longe de confusão, sempre super protetora, mas nunca deixando que isso atrapalhasse em seu desenvolvimento, por isso ele havia decidido que não contaria nada à sua mãe sobre o que estava acontecendo, pelo menos não por enquanto, tinha medo de deixá-la preocupada com algo que poderia não ter tanta importância.
Quando entrou no quarto ouviu o barulho agudo do despertador, tinha esquecido de desativá-lo quando saiu para o banheiro e agora certamente ele já apitava há alguns minutos, sorte sua mãe ainda não ter escutado e subido as escadas para ver o que estava acontecendo.
Desligou a pequena máquina, fechou a porta do quarto e se vestiu para a escola, arrumou a mochila e tentou colocar seu quarto em ordem, ele sabia que para deixá-lo totalmente organizado levaria horas, mas conseguiu guardar algumas roupas e deixar o lugar mais aceitável.
Quando desceu as escadas com a mochila nas costas, como já esperava, sua mãe o esperava na cozinha, já pronta para trabalhar, a mesa apetitosamente arrumada para o café o chamava para o desjejum.
- Acabou dormindo ontem à noite? Preparei comida para nós dois e quando vi você já estava dormindo.
- É! Eu estava bastante cansado. Tinha dado algumas voltas no quarteirão de bicicleta e estava exausto.
- Pelo menos não vai precisar fazer algo para almoçar então, pode esquentar o que sobrou, está em um pote na geladeira.
- Você não vem hoje almoçar em casa?
- Não vou conseguir filho. Tenho muito trabalho no escritório e estou me empenhando para não deixar nada atrasado.
Ela falava enquanto colocava os discretos brincos cinzas, que apesar de pequenos ganhavam certo destaque contrastando com o cabelo negro curto que ela tinha.
Ele assentiu com a cabeça, largou a mochila no balcão da cozinha e sentou na pequena mesa redonda no canto preparando uma caneca de achocolatado.
Sua mãe saiu da cozinha e logo voltou com sua bolsa.
- Filho você viu o controle da garagem?
- Acho que está na minha mochila, no bolso pequeno da frente.
Ela foi até o balcão, abriu o zíper e, depois de procurar um pouco retirou a mão da mochila trazendo dela um fino cordão prateado com um pingente retangular com dois círculos no meio.
Seu ar ficou sério e nervoso de repente. Ela se virou bruscamente para ele erguendo o objeto no ar.
- De quem é esse colar Lashton?
Ele olhou surpreso para sua mãe sem entender a repentina troca de humor.
- Eu não...
- Lashton, vou perguntar de novo. De quem é esse colar?
- É... Da Lila mãe, na verdade é da avó dela. Ela havia levado ontem para a escola para apresentar um trabalho e acabou esquecendo em cima da mesa, como eu vi que era dela eu peguei para devolver. Hoje mesmo eu devolvo.
- Filho, quero que me escute. Você vai devolver esse colar hoje, vai ser a primeira coisa que irá fazer assim que chegar à escola. Não quero que fique com isso.
Ela se adiantou e largou o colar na mesa ao lado de sua xícara.
- Está certo mãe! Mas porque a preocupação?
- Só não quero que fique com coisas que não são suas. Só isso.
- E se ele fosse... Meu, de alguma forma?
- Ele não é seu. Você vai devolver ele hoje e não vamos mais falar nisso. Tenho que trabalhar agora. Tenha um bom dia filho. Se cuida!
Ela deixou a casa em silêncio e depois de abrir a garagem entrou no carro e foi embora.
Realmente a cena que havia presenciado tinha sido muito estranha. Nunca havia visto sua mãe se alterar daquela maneira, ela podia não ter transparecido, mas ele conseguia ver certa fagulha de desespero em seu olhar materno enquanto o repreendia. Agora sim o pequeno objeto o estava intrigando.
Durante todo o caminho para a escola, enquanto via as mesmas pessoas pela janela do ônibus e escutava suas músicas pelo fone, tentava buscar alguma explicação plausível para o que havia acontecido pela manhã, o que o havia assustado.
Pensava e olhava também para o estranho colar, que agora estava enrolado em seu pulso.
Nos olhos de sua mãe havia visto algo que não compreendia, algo que nunca havia visto antes, era aquele mesmo vazio de sempre, mas havia mais alguma coisa, algo que o aumentava, ele não sabia explicar.
Quando chegou na escola não pode disfarçar sua inquietação quando viu Lila, lembrou-se da história esfarrapada que havia contado à sua mãe e em como havia mentido tão facilmente a ela, de certa forma se culpava por ter mentido, primeiro pensou que havia mentido para proteger sua mãe, para não deixá-la preocupada, mas depois viu que na verdade havia mentido pela pura curiosidade, queria saber o real motivo da inquietação de sua mãe.
Queria chegar a ela e perguntar, mas não podia simplesmente dizer "Mãe um estranho colar apareceu misteriosamente nas minhas coisas, acho que fui duas vezes a um outro mundo de algum modo, homens de terno têm me observado e ontem à tarde revistaram nossa casa. O que você sabe sobre isso? Pois eu acho que você sabe alguma coisa."
Não conseguiu prestar atenção em nada na escola, pensava em teorias que pudessem explicar aqueles acontecimentos mas não conseguia pensar em nada, queria sair dali o mais rápido possível, ir para a biblioteca e devorar as páginas levemente mofadas do estranho livro marrom, mas não podia simplesmente sair da escola e abandonar a aula.
Quando o intervalo chegou uma fina chuva caia, o que fez com que todos se espalhassem pelos corredores, pela área coberta e pelo refeitório, como Lash não gostava de ficar prambulando pela escola resolveu ficar sentado no refeitório.
Estava cansado já de pensar nas mesmas questões e sempre chegar às mesmas perguntas, então resolveu levar um livro para o intervalo, gostava muito de ler, e como ler o fazia esquecer de seus problemas achou que seria um boa ideia.
Comeu, abriu seu livro e quando estava viajando pela história envolvente do livro alguém chamou pelo seu nome do salão.
- Hey Lash! Como foi a detenção ontem? Ah, é mesmo, você não estava lá.
Era Thomas, ele seus amiguinhos puxa-saco.
- Thomas me deixe ler em paz!
- Como eu poderia? - Ele se adiantou e sentou-se na mesa em que Lash estava. - Por sua causa eu tive vários problemas sabia?
- Que bom que aqui cada um cuida dos seus. Preciso ir!
Lash estava com muita raiva, será que agora Thomas iria começar uma perseguição infantil? Era bem a cara dele mesmo, mas ele não podia entrar no jogo dele. Fechou o livro, juntou suas coisas, colocou a mochila nas costas e levantou.
- Onde você pensa que vai? - Thomas agarrou a mochila de Lash por trás impedindo que continuasse. - Ainda não terminamos aqui.
O calor da raiva subiu pelo corpo de Lash, sua vontade era de esmurrar Thomas ali mesmo, mas sabia que, mesmo que conseguisse acertar um soco, ele sairia prejudicado, tendo em vista que além de ele ter começado a briga, ainda iria apanhar dele e dos seus amigos bajuladores.
- Me solta Thomas!
Lash falou com a voz alterada, não gritando, mas quase, falou e deu um puxão seco na mochila, deixando a mão de Thomas vazia no ar. Ele se levantou da mesa em um salto.
- Tenha calma irritadinho. Não quero que se zangue.
Thomas pegou novamente Lash pelo ombro, mas dessa vez com tamanha força que o fez virar e o encarar.
- Sabia que agora eu vou ter que ficar a semana inteira na detenção? E se já não bastasse meu pai vai ter que vir aqui hoje, então estou completamente ferrado, e por causa de quem? Sim - Ele apertou a mão no ombro do garoto -, do pequeno Lashton aqui!
O pulso de Lash começou a esquentar à medida que sua raiva aumentava.
- Me... Larga Thomas!
Dessa vez ele gritou, gritou e todas as lâmpadas do refeitório brilharam com o
máximo de suas capacidades e explodiram, todas ao mesmo tempo, deixando no ar uma chuva de cacos brancos e uma multidão espantada olhando a cena.
Thomas pareceu ficar com medo, largou o ombro de Lash enquanto seus olhos olhavam em volta tentando entender o que havia acontecido, os cabelos cheios de cacos, assim como as cabeças de todo mundo, as cabeças, as mochilas e os lanches. Ninguém tinha se machucado, pois os cacos eram pequenos, mas eles estavam em toda parte agora.
Lash estava perplexo, sentia o pulso quente, o colar quente, sabia que, de alguma forma, ele tinha a ver com aquilo tudo. Estava com medo, assustado, todos os acontecimentos recentes passavam em sua cabeça como flashes, e ele parecia não conseguir ordená-los.
Saiu do refeitório rapidamente, o pulso ainda quente, tentou se acalmar, respirou fundo, mas continuava nervoso, a adrenalina fazendo seu corpo funcionar a mil. Foi até seu armário, o abriu, guardou seu livro, o fechou, e ficou tonto, a visão escureceu.
Quando recobrou os sentidos estava em um vale, um grande campo verde, ao fundo montanhas e em uma delas um pequeno vilarejo com um grande castelo, então se lembrou que já estivera ali antes, no dia anterior. Olhou em volta buscando pelos cavalos e pela mulher, mas não havia ninguém ali, somente ele, caminhou alguns passos e pode ver no chão as marcas de uma batalha recente, rastros de animais, buracos no chão.
Uma leve brisa soprava, ao fundo podia ver as árvores dançando à vontade do vento, o lugar era realmente um lugar lindo, no céu alguns pássaros voavam, o sol brilhava em um meio de manhã e a sua visão escurecia novamente.
Estava de volta à escola em frente ao seu armário aberto. O pulso já não estava mais quente.

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