O frio cortava Gotham como uma lâmina, mas eu já estava acostumada. Jason sempre dizia que o inverno da cidade era um reflexo das almas perdidas que vagavam por aqui, e ele provavelmente se incluía nessa lista.
Hoje era véspera de Ano Novo, mas não havia nada de festivo na expressão dele. Estávamos sentados em um prédio abandonado no coração da cidade, com a vista perfeita para os fogos que explodiriam à meia-noite.
Jason estava inquieto, mexendo no capuz vermelho que agora repousava ao seu lado. — Você sabe que não precisava vir, certo? — ele disse, quebrando o silêncio.
— Sei — respondi simplesmente.
Ele suspirou, passando uma mão pelos cabelos bagunçados. — Então por que veio?
Olhei para ele, vendo além da máscara de dureza que sempre usava. Jason Todd era muitas coisas: rebelde, teimoso, difícil... mas também era alguém que carregava o peso do mundo nos ombros.
— Porque você não deveria estar sozinho hoje.
Ele riu, mas foi um som sem humor. — Estou acostumado.
— Não significa que é o certo.
Jason não respondeu de imediato. Ele apenas olhou para o horizonte, onde a cidade parecia pulsar com vida. Eu sabia o que ele estava pensando — o que ele sempre pensava nessa época do ano. Sobre os erros que ele acreditava ter cometido, sobre as vidas que não conseguiu salvar, sobre como ele sempre se sentia como um intruso na própria família.
— Você acha que eles estão comemorando agora? — ele perguntou, a voz baixa, quase um sussurro.
Sabíamos exatamente de quem ele estava falando. A Batfamília, que provavelmente estava reunida na Mansão Wayne. Bruce, Dick, Tim, Damian... todos juntos, e Jason, mais uma vez, longe.
— Sim — respondi, honesta. — Mas isso não significa que eles não sentem sua falta.
Ele bufou, mas havia uma tristeza nos olhos dele que não podia ser escondida. — Eles seguem em frente. Sempre seguem.
— E você não?
Jason me encarou, como se minhas palavras fossem uma faca. — Não sei como, S/N.
O relógio marcava 23h59, e a contagem regressiva ecoava pela cidade. Eu não sabia se ele ia ouvir o que eu estava prestes a dizer, mas não podia deixar passar.
— Jason, ninguém espera que você esqueça o que passou. Ninguém espera que você finja que nada aconteceu. Mas seguir em frente não é sobre esquecer. É sobre escolher viver, apesar de tudo.
Os fogos começaram, iluminando o céu em explosões de cores. Jason desviou o olhar de mim, mas eu vi algo mudar em sua expressão. Uma sombra de vulnerabilidade, algo raro nele.
— Você sempre fala como se eu fosse melhor do que realmente sou — ele murmurou.
— Porque você é, Jason.
Ele não respondeu, mas quando os fogos diminuíram, ele finalmente se levantou, pegando o capuz.
— Vamos para a Mansão? — perguntei, testando os limites.
Jason hesitou por um momento, antes de suspirar e estender a mão para mim. — Só se você vier comigo.
Sorri, entrelaçando meus dedos nos dele. Talvez ele não estivesse pronto para tudo, mas isso era um começo. E às vezes, um começo era tudo o que precisávamos.