KAIN
— De novo! — comandou Mera, circundando Éden a fim de observar melhor seus movimentos, e o que estava fazendo de errado, visto que em três horas ela não fora capaz de produzir nada mais do que respirações pesadas e muito suor.
— Posso descansar um pouco? — Éden curvou-se sobre si mesma, apoiando as mãos sobre os joelhos, aparentando a possibilidade de colocar suas entranhas para fora a qualquer momento.
As íris escuras e profundas que Kain tanto amava observar na luz da manhã cintilavam de forma intermitente entre o castanho-escuro e o dourado, sem conseguir manter cor sólida que dissera ver nos olhos de seu pai por mais que alguns segundos. Aparentemente era o que acontecia a todos os Celestiais ao conjurar o poder que possuíam.
— É assim que espera controlar sua magia? — Mera cruzou os braços e torceu um dos cantos da boca em desapontamento.
— Não acha que está exagerando? — perguntou Kain, incomodado. A meia-celestial mal aguentava-se de pé, forçando os joelhos trêmulos a manterem-se firmes. — Ela está nisso a horas.
Mera virou-se para ele com o semblante sério.
— Magia celestial não é como empunhar uma espada. É uma força instável que se não for bem manuseada causará um estrago irreparável para o usuário — Ela estreitou o olhar, fitando o rosto dele com uma clara reprimenda. — E para quem estiver perto o bastante para ser pego por ela.
— Isso já percebemos. — Kenneth estalou a língua e apontou por sobre o ombro, na direção da clareira destruída a cerca de cinco quilômetros de onde se encontravam. Um grande rio corria ali perto, despontando em uma cachoeira que levava a terras baixas, direto no interior da floresta de pinheiros, a mais densa do reino, cheia de perigos que nem mesmo Kain se atrevia a enfrentar. — Não tem medo que ela queime tudo por aqui?
— Ela mal conseguiu acender a chama de uma vela. — disse Mera com um dar de ombros.
— Eu estou ouvindo — ralhou Éden, a respiração por fim sob controle.
Kain dirigiu sua atenção a ela. Apesar das copas das árvores acima de suas cabeças barrarem os raios de sol do meio-dia, o calor e o esforço excessivo que a via fazer deixaram suas bochechas vermelhas e cobrira a sua testa com uma camada brilhante de suor, que escorria por seu pescoço, sumindo sob a gola da camisa branca de mangas curtas. Kain refreou o forte impulso de ir até ela e tocar sua pele para descobrir se continuava tão quente quanto ele se lembrava de sentir ao segurá-la em seus braços ao pensar que a havia perdido para sempre. Conformou-se em esperar um pouco mais. Ela era dele, e ele pertencia a ela. Kain se certificaria de que isso nunca mudasse.
— Achou algo que nos ajude? — perguntou Mera ao homem de cabelos castanho-claro à esquerda do príncipe.
— Isso é muita loucura, sabia? — Sentado na grama com as pernas cruzadas e o livro de Opheu aberto sobre seu colo, Kenneth correu rapidamente os olhos pelas páginas. Kain seguiu o ato, olhando de cima as linhas de texto adornadas. — As coisas que esse cara escreveu vão contra tudo o que já ouvimos falar. De acordo com um dos escritos, havia um quinto reino no extremo sul, onde o gelo cobre a terra.
— Nas terras de Yver? — De súbito, Éden virou-se para eles e franziu a testa. Seus olhos ficaram nublados e Kain teve quase certeza de que algo incômodo se passou por sua mente.
— Lá mesmo — concordou Kenneth, folheando o livro um pouco mais.
— E o que houve com ele? — A voz da meia-celestial saiu uma oitava mais baixa. Ela encolheu os ombros, esperando pela resposta sem desviar o olhar do guarda.
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Solstícios de Sangue
FantasyAos onze anos de idade, Eden D'rell testemunha o assassinato de seu pai e a destruição de sua aldeia pelas mãos dos soldados de um rei estrangeiro. Fugindo em meio caos, a garota é salva por Griffyn Daviers, Capitão da Guarda de Alore e levada ao c...