O cenário que se desvelava diante de mim exalava a pompa apoteótica de uma criação terminal e o lamento silente de uma aurora extinta. Era uma paisagem desolada e magnífica, fulgurante como um relicário esquecido no âmago do caos. Não sei - nem saberei jamais - o nome do demiurgo que forjou este palco onde o Belo e o Tenebroso se enlaçam num abraço de agonia perpétua. Ignoro quem teria sido o arquiteto desse sublime e abissal colapso, mas reconheço, com um terror que mal posso nomear, a simetria funesta que nos une: a indolente passividade de nossas letargias.
Ambos - eu e Ele - repousamos na mesma inércia ontológica, arrastados pela correnteza espessa da existência, como se o esforço fosse um delito contra a eternidade. Tornei-me sua imagem no instante em que, com ímpeto sacrílego, ousei tentar deixar de ser. E Ele, na mais crua e paradoxal das ironias metafísicas, encarnou-se em mim, moldando-se não na pureza dos altares, mas na frieza pétrea do mármore de Carrara, talhado como um epitáfio que se ergue na noite sem aurora.
Sacrificou carne e osso com a docilidade de quem oferta sua própria efemeridade ao gozo cruel da criação. O sangue, esse resíduo inextinguível, permaneceu: não como vida, mas como assinatura, vestígio do artífice que abdica da obra. Despido sob o olhar onisciente da lua plena, consumou-se o rito. Mas nada - nem o tempo, nem a morte, nem o esquecimento - poderia me apartar d'Ele.
Eu O pressinto, como um sussurro invisível, em cada recôndito onde o vazio habita, até mesmo quando O sinto tatear e falhar o compasso dissonante de meus batimentos. Ó Deus - não como clamor de esperança, mas como exalação do mais puro e incurável espanto.
Rendi, até a exaustão, os escombros do meu passado, como quem lança as cinzas de si ao vento indiferente. Abracei o futuro com a petulância dos condenados que, à beira do abismo, creem poder voar; e, por fim, reneguei o presente, este cárcere, como se fosse um corpo que já não me pertencesse.
Nada me dilacera mais - oh, flagelo insuportável! - do que a áspera possibilidade de ter, de fato, consentido em participar desta trágica pantomima: uma lúdica e sádica "brincadeira" cujo gosto é o fel da consciência.
Lembro-me, como se fosse um eco longínquo, do dia em que entreguei ao meu corpo os pecados de todos os que vieram, um a um, até mim, e, prosternados, beijaram-me os pés com a servil reverência dos que buscam a salvação na carne alheia. Naquela noite dormi como quem se despe definitivamente da vigília, como quem abraça a última ausência. E ao despertar, não havia mais dúvida: eu já não era mais.
E, contudo, nem uma lágrima me foi arrancada. Mesmo no mar - esse vasto e indiferente cemitério líquido onde eu poderia ocultar a água salgada do meu pranto - não chorei. Porque Ele é, e sempre foi, o meu mar: imóvel, infinito, conhecedor da mesma e única verdade.
"O que Deus havia sacrificado para tornar-se eu."
Cingiu-me com o ouro da ilusão, o brilho enganoso que orna a perdição, fazendo-me crer, por um átimo fugidio, que eu era precioso e sereno, mesmo quando, à minha frente, tudo se precipitava no abismo sem fundo. Tentei fugir - não para escapar, mas para que Ele provasse, através de mim, o peso insuportável do arrependimento.
E Ele, em sua onipotente implacabilidade, faz-me pagar por essa fuga a cada dia - mesmo agora, quando habito apenas os interstícios da morte. Revelou, um a um, os pecados que eu dissimulei sob véus frágeis; encheu até a borda o cálice cristalino e, com gesto solene e irrevogável, embebedou-me com meu próprio veneno, destilado gota a gota da essência mesma da minha culpa.
Eis o sacrifício: Ele aniquilou-se para tornar-se eu - e eu, na mais amarga reciprocidade, eternizei-me para jamais poder deixar de ser Ele.
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As Vivências
Non-FictionUm conjunto de prosas que eu escrevo enquanto enfrento algum problema na vida ou quando pretendo praticar técnicas de escrita (A imagem representa o último texto publicado) Legenda Temática: Drama Existencial [1] Reflexão filosófica [2] Imagética [...
