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Julia chegou em casa às 10 da manhã do sábado, e entrou no apartamento se esquecendo completamente do que a esperava. As malas de Diego estavam todas feitas no canto da sala, e ele ainda estava deitado no sofá-cama da sala dormindo. Tentou entrar em silêncio e passar reto para o quarto, mas esbarrou em uma das malas cheias que caiu com o peso. Diego acordou sonolento, e esfregando o rosto.

- Tá saindo ou chegando?

- Ia te perguntar o mesmo, tinha toda uma pressa ontem, achei que você já tinha ido.

- Eu só terminei de arrumar as malas de madrugada, você não tinha chegado. Imaginei que não tivesse problema dormir mais uma noite.

- Você já acordou, então pode ir.

- Que é isso agora? Ontem era pra eu ficar, hoje tá me escorraçando pra fora? Não é só isso, eu quero falar com você.

- Posso tomar um banho antes? Uma filha da puta derrubou cerveja em mim, eu tô nojenta.

- Tá, me acorda quando estiver pronta.

Ele virou para o lado e cobriu a cabeça. O impulso inicial seria jogar as malas pra fora da porta e dizer pra ele ir, mas a curiosidade a impedia. Maldita curiosidade. Foi tomar banho, depois colocou o pijama. Respirou fundo e sentou na ponta do sofá-cama.

- Pronto. Fala. - ele mudou de lado no sofá, mas continuou deitado, olhando pra ela.

- Eu sei que tá tudo uma merda agora. Não tem um segundo que eu passe aqui sem a gente brigar, Ju. Você é incapaz de responder um bom dia sem ser venenosa. Então espero que você entenda que eu vou sair mesmo hoje.

- Entendo. E pra onde você vai?

- Uma amiga do bar me ofereceu um canto até eu achar um lugar fixo.

- Uma amiga do bar tipo a do guardanapo?

- Julia, por favor. Olha esse veneno?

- Foi uma dúvida justa.

- Não, uma amiga do bar mesmo. A Dri, você conhece ela.

- Sei lá, investe, vai que você pega essa também.

- Julia do céu, vamo parar? Posso falar o que eu tenho pra falar ou você vai ficar ironizando tudo que eu digo?

- Pode falar.

- Então, nós somos amigos desde os 15 anos de idade. E nos últimos três anos, você foi a pessoa mais importante da minha vida.

- Exceto o último mês. - ele sentou no sofá, incomodado, já bufando.

- Tá vendo? Veneno de novo. Posso continuar?

- Pode.

- Você continua sendo importante pra mim. Eu cheguei nessa cidade sem nada e você me ajudou. Eu nunca vou esquecer disso. Eu queria muito que acabasse melhor que isso. Não queria que acabasse com gritaria, bateção de porta, copo jogado e madrugadas em claro discutindo, sabe? Podia ter sido tudo na paz.

- E você entende que meu problema não é tanto com a traição, mas sim com a mentira deslavada de "eu vou passar a tarde com o pessoal do bar" enquanto você tava com outra? Tecnicamente não era mentira, sendo ela pessoal do bar, mas mesmo assim.

- Ju, eu sei. Eu podia ter conduzido as coisas de um jeito melhor. Eu não precisava mentir. Mas você também não precisava fuçar minhas coisas. Você não precisava saber de nada disso.

- Oi, péra, eu já disse, eu não fucei, acredite você ou não. Eu fui ver se você tinha trocado na carteira, e você tinha um telefone num guardanapo. Em pleno século 21.

- Julia. - ele olhou longamente pra ela, que cruzou os braços e revirou os olhos - Eu só acho que esse não é o ponto. Você se prende nela, mas tem muito mais. Você sabe que a gente estava desgastado já. Mal ficava junto...

- ... porque eu fucking trabalho das 10 às 7, como uma pessoa, e você trabalha a noite. E foge de mim. - ela deixou escapar entre dentes. Ele olhou feio.

- Eu não fujo, você que é maluca.

- Quanto tempo faz, Di, uns três meses, já? Quatro, acho. Sei lá, acho razoável querer dormir com o meu namorado. Não é como se eu quisesse dar três vezes ao dia.

- Julia, eu não quero falar disso, de verdade.

- Que novidade. Você fugindo do assunto. - Ele parou novamente, e olhou para ela, que o encarou de volta por algum tempo. Ele esfregou o rosto com as duas mãos e respirou fundo.

- Eu me sinto tão mal aqui, sabe. Pareço um hóspede na sua casa, não posso ajudar em nada.

- Ah, pode sim. Não ajuda porque não quer. Mas é sempre bem vindo, inclusive tem louça na pia agora.

- Não é isso. Você sabe o que eu quero dizer. Bar não dá o mesmo dinheiro que propaganda. Eu tentei mudar, eu tentei passar pra cinema, mas não consegui quase nada além daqueles seis meses de desemprego, procurando vagas que não apareceriam, enquanto você estava brilhando e sendo promovida. Eu me sinto pequeno perto de você.

- E é minha culpa?

- Também, né. E você sabe que não é só isso. Sei lá, a gente já discutiu isso mil vezes, Ju. Sua bagagenzinha emocional não ajuda também. - ela levantou a cabeça e o encarou com raiva.

- Sério, Di? Vai jogar na cara?

- E não é um problema? Me incomoda, e você não liga. Não tenta resolver. Eu fiquei do seu lado quando você passou por tudo, mas cansa.

- Nossa, desculpa esse sacrifício. Da próxima pode me trair e me abandonar mais cedo então, não precisa passar por esse martírio.

- Não é questão de martírio, eu só não soube lidar. Nem sei ainda. Já foi e você continua nessa.

- Então não precisa mesmo lidar com isso. Tá certinho você. Melhor você ir.

- Acho melhor mesmo.

- Sério, Diego, você não pode ser isso que eu to vendo na minha frente. Que foi meu melhor amigo por anos. Eu não te reconheço.

- Eu sou o mesmo, Ju. Sempre fui.

- Não, não é. Olha, eu vou dormir, por favor, não faz barulho pra sair. Boa sorte, e obrigada pelos peixes.

- Que peixes, Julia do céu?

- Deixa pra lá.

- Às vezes eu não sei o que você quer de mim, sabe?

- Diego, eu quero duas coisas de você agora: silêncio e distância. Boa vida.

Ela se fechou no quarto e se enterrou nas cobertas. Exausta da noite em claro e da discussão que ele insistia em trazer à tona, esperava pegar no sono rápido, mas não conseguiu de primeira. Chorou, com o nó na garganta queimando. E pegou no sono sem perceber, ainda chorando.

Quando acordou, já era fim de tarde. A porta do quarto estava aberta, dando visão para a sala, e as malas não estavam mais lá. Nem ele.

How To Fight LonelinessOnde histórias criam vida. Descubra agora