Luca acordou na cama de Julia, de novo. Ele não dormia tranquilo a tanto tempo na vida, que nem conseguia lembrar. O braço dele estava dormente embaixo dela, e ele nem ligava. Podia cair, ele deixava ali.
Olha essa mulher, sabe. Julia era incrível. Foram anos enfiando na cabeça que Ceci era a causa e solução dos seus problemas, maravilhosa do jeito dela. Caído por ela, absurdamente. Nunca tinha feito nada por ela só porque devia, pra ser justo. Era porque amava Ceci, por anos e anos, acreditando que ela o amava também, lá no fundo. Agora seus olhos se abriram de uma maneira inacreditável: pra quê? Tudo que ela fazia, desde o começo, era bater e assoprar. Ele se sentia um babaca tão gigante. "Nunca pensei que ia ser otário, fui otário".
Só tinha uma coisa a fazer. O que ele não teve coragem de fazer direito no dia que ela chegou no Celsius. Tirou o braço debaixo da Julia com cuidado, e ela só mexeu um pouco na cama, e continuou dormindo. Caçou as roupas todas no chão, se vestiu. Colocou as roupas da Julia, antes jogadas no chão, arrumadas na cadeira. Achou o bloquinho de post-it dela na sala, e deixou um bilhete na cabeceira. Deu um beijo na bochecha de Julia, que ainda dormia, e saiu.
Marchou pra casa, se achando um pica das galáxias, de peito inflado. Agora vai. Não resistiu ao impulso de se dar uns tapas na cara e pular na rua, como se fosse o Rocky treinando. Chegou em casa, e a televisão estava ligada. Ceci estava sentada de pernas cruzadas no sofá, comendo.
- Bom dia, Cecilia. - ela se assustou com o cumprimento, colocou o prato no braço do sofá e bateu continência, fingindo seriedade.
- Bom dia, Luciano.
- A gente precisa conversar.
- Isso é por causa de quinta? Eu já te pedi desculpa. Eu não sabia que você ia ficar puto de eu tentar ajudar a arrumar a casa.
- Ceci, lavar minhas roupas todas misturadas manchando tudo e quebrar prato e copo lavando uma pia de louça que você mesma sujou não classifica arrumar a casa.
- Aff, que irritado. Não tomou remédio hoje, não?
- Cecilia, querida. Já que você gosta tanto de viajar, porque você não vai lá pra puta que te pariu? E não, não é isso.
- Ok, é o que então?
Ele respirou fundo, sentou na poltrona ao lado do sofá e deixou sair.
- Não me faz bem quando você me procura assim, Ceci. Quando você some por meses, e daí volta pra cá. Eu fico mal quando você vem, pior quando você vai. Uma hora isso tem que parar. Sei que eu te devo minha vida, você me ajuda tanto, mas não dá.
- Você podia ter dito isso antes. Ok. - ele olhou pra ela, rindo.
- Ok? Simples assim?
- Luca, não sei que porra você pensa de mim, mas eu não te procuro de sacanagem.
- Mas não me deixa em paz até eu te responder.
- Claro! Eu me preocupo com você, se caiu numa bad de novo e tal. E daí, né, acontece de quando eu te procuro, a gente acabar não fazendo muito além de transar ou brigar por causa da bagunça que eu faço na sua casa. Mas se te faz mal, ok. A gente pára. Você segue de boa, só me conta de vez em quando se tá tudo bem.
- Mas e quando eu disse que tinha um date ano passado e mesmo assim você não saiu da porta de casa até eu te deixar entrar?
- Ai, a menina era zoaaaada, cara. Não podia deixar aquilo acontecer com as suas calças.
- Tá, e quando eu comecei a namorar a Karina, que você fez tanto cyber bullying na menina, que ela me deu um fora?
- Ela que começou. - Ceci deu de ombros. - Eu só fui perguntar se tinha problema te ver enquanto eu tava aqui e ela me xingou de cima abaixo. Eu só devolvi. E ela era feia.
- Não era não.
- Ai, Luca, seu conceito de beleza, olha, me preocupa? Você fala que uma ridícula dessa não era feia, eu me acho um pouco menos gata.
- Deixa de ser boba. Mas então você nunca tava me perseguindo?
- Eu não sou uma succubus, cara. - ela riu, e pegou o prato de volta no sofá, e voltou a comer. - Você podia ter dito isso antes.
- Eu sei, eu já precisava falar tudo isso há umas três visitas suas atrás.
- Não falou porque é o que? Vacilão.
- Eu precisava, sei lá. De uma força. E aquela menina que eu te contei, a amiga do Léo, me deu essa força.
- Sabia que ela era seu tipo. - Ela largou o prato no colo, e jogou os braços pra cima - Yo sabia, como lo sabia!
- Sua ridícula. Niña de mierda. - eles riram juntos, e ele sentou do lado dela no sofá.
- Isso quer dizer que eu perdi meu teto aqui do lado da Paulista?
- Não, claro que não. É negociável você ficar aqui de vez em quando. Só a parte de já me arrastar pro quarto toda vez que chega que pode parar.
- Justíssimo. Esse revival já durou mais do que precisava, a gente pode ser só amigo mesmo.
- Sim. Amigos.
- Amigos. Isso quer dizer que eu posso dar em cima abertamente do menino maravilhoso que faz meu pão na chapa?
- Ceci, sua bicha truqueira.
- Ué, só to perguntando. Liberou essa amizade de contar os causos?
Ele riu e passou o braço em volta dela, que encostou a cabeça no ombro dele. Ficaram assim por um tempo, e depois Luca contou tudo sobre Julia para Ceci e seus planos para aquela noite, de encontrar com ela no bar e depois levá-la pra andar pela avenida, como na noite que se conheceram. Ela contou mais sobre seu tempo fora e o rascunho de planos que tinha.
Quando a noite começou a chegar, Luca foi tomar banho e se vestir. Ceci trocou o pijama pela roupa para trabalhar. Prontos, os dois saíram em direção ao Celsius. Ao chegar na esquina, Luca parou.
- Que foi?
- Você acha que ela vem?
- Luquinha, claro que ela vem. - ela apertou o bochecha dele. - Pelo que você contou, ela gosta de você também. Vai, vem comigo agora. Tenho duas semanas de emprego e já cheguei atrasada o suficiente pra ser demitida.
Ele respirou fundo, arrumou o cabelo com as mãos e sorriu para ela. Os dois se abraçaram e Luca beijou o rosto de Ceci.
- Reze por mim.
- Sempre.
Eles caminharam até o bar, de mãos dadas, e Julia estava parada na porta. Ela não parecia feliz. Ceci acenou para Julia e entrou correndo no bar. Luca ficou na porta, sorrindo para Julia, que respondeu ao sorriso com um comentário ríspido.
- Sabe, Luca, uma vez me disseram que a cretinice de todo mundo aparece um dia. Agora é a sua hora?
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How To Fight Loneliness
CasualeA primeira coisa que você quer vai ser a última coisa que você precisa. Trilha sonora: https://open.spotify.com/user/tatihc/playlist/2muj15JD4A6cGFwXAiS05o Board: https://br.pinterest.com/tatihc/how-to-fight-loneliness-inspira%C3%A7%C3%A3o/