Julia morava relativamente perto do trabalho, e andava até a agência quase sempre. Era uma ótima oportunidade de espairecer um pouco sobre o dia, a vida, o universo e tudo mais. O vento soprava na rua, congelando suas despreparadas pernas de meia-calça fina e saia. Vinte e seis anos de São Paulo não ensinavam nada. Ela abraçou os próprios braços e apertou o passo até o prédio, que já estava próximo. Foi quando o viu, encostado ao lado do portão, de jaqueta jeans e camiseta cinza, fumando um cigarro e olhando pro nada: Luca. Precisou de uma grande dose de respiros fundos até chegar perto dele pra agir de boa.
- Tá me stalkeando, gatinho?
- Fui descoberto no meu incrível disfarce de eu mesmo? - a voz dele não tinha o mesmo sarcasmo alegre de sempre. Ele parecia a um ponto de chorar. Esticou o maço de cigarro para ela, que sacudiu a cabeça dizendo "não".
- Tá muito frio, e eu não tenho uma jaqueta cool e quentinha como a sua. Não quer subir?
- Achei que você nunca fosse pedir, baby, e eu fosse forçado a me convidar mais do que ficar na sua porta.
- Só fico chateada que sabe, nem pra trazer uma boombox tocando Peter Gabriel.
- Né? Que espécie de personagem do John Hughes sou eu. Uma falsa mesmo.
- Say Anything é do Cameron Crowe. Você tem que conhecer melhor seus trívias dos anos 80.
O sorriso dele era a coisa mais vazia que ela já tinha visto. Eles entraram no elevador até o 16º andar, e ele se largou no canto, batendo nas paredes. Com a luz, dava pra ver que o rosto dele estava vermelho, como quem tinha chorado mesmo. Do outro canto do elevador, ela deu um chute de leve na perna dele.
- Que foi, hein?
- Eu preciso de cerveja pra falar disso. Tem cerveja na sua casa? Senão a gente desce de novo e compra.
- Tem, to preparada pra um apocalipse emocional.
Ele entrou pela porta, e se soltou no sofá. Ela deixou a bolsa na mesa, pegou duas cervejas na geladeira, e sentou ao lado dele, que abriu uma de cada vez, brindou em silêncio com ela, e suspirou alto.
- Ding dong, the witch is back.
- Acho que é "the witch is dead".
- Não, não tá. Tá vivinha. Cecilia mandou mensagem hoje de manhã. Ela voltou esse final de semana, e quer me ver.
- E você respondeu o que?
- Respondi "me erra", tudo em maiúsculo. Ela achou que era brincadeira, porque respondeu com uma risada, e um local e horário.
- E você vai?
- Não sei. Preferia dar um pescotapa num cacto, mas eu sei que se não for, ela vai encher o saco até eu ir. E inevitavelmente, quando eu encontrar com ela, vou virar um idiota automático.
- Você não precisa virar um idiota automático, Luca. Você não é capaz de encontrar com ela e ter consciência de que te faz mal? Se controlar? Botar o pau na mesa e falar que chega?
- Juju, se eu fosse, você acha que eu estaria aqui prestes a desabar de chorar?
Julia deu de ombros e os dois ficaram em silêncio por um tempo. Luca se levantou e foi para a janela acender um cigarro. Ela abriu a janela da sala um pouco mais, pegou o seu próprio cigarro na mesinha e ficou ao lado dele vendo a noite. Ele abriu a boca para falar, e mexeu a cabeça, voltando a colocar o cigarro na boca.
- O que foi?
- Nada. Eu ia te perguntar uma coisa, mas mudei de ideia.
- Pergunte a vontade.

VOCÊ ESTÁ LENDO
How To Fight Loneliness
DiversosA primeira coisa que você quer vai ser a última coisa que você precisa. Trilha sonora: https://open.spotify.com/user/tatihc/playlist/2muj15JD4A6cGFwXAiS05o Board: https://br.pinterest.com/tatihc/how-to-fight-loneliness-inspira%C3%A7%C3%A3o/