- Vocês estão indo bem – Conrado diz para mim e para Dionísio.
Por algum motivo que desconheço, ele não trata mais Dionísio como se fosse o pior cara do mundo. Na verdade, Conrado parece ter começado a gostar dele, agora que ele me odeia. Dionísio nem mesmo olha em meus olhos quando não estamos sobre o palco.
Imagino se Conrado só virou amigo dele porque nós dois terminamos com qualquer chance de sermos namorados.
- Valeu – Dionísio responde.
Eu desço do palco, cansada, e vou até a cadeira onde deixei minhas coisas. Eu preciso muito de um gole de água e por sorte eu trouxe uma garrafinha.
- Pessoal, falta apenas um mês e meio para a apresentação – Conrado diz, se colocando na frente de todos sobre o palco. – Nós precisamos aumentar o ritmo dos ensaios. Dois dias antes da apresentação faremos um ensaio final e então vocês estarão dispensados para descansar até o espetáculo.
Não consigo evitar o pensamento de que os meses estavam passando rápido demais. Faz três meses que eu estou vivendo sob o mesmo teto de Conrado. Faz três meses e uma semana que eu estou na faculdade. Faz menos de quatro meses que Kevin terminou comigo e depois voltou para a minha vida.
Falta um mês e meio para a apresentação da peça pela qual eu estava esperando tanto tempo, mas há alguma coisa me incomodando sobre isso. Demoro algum tempo até lembrar que, uma vez que a peça de teatro for apresentada, Conrado e eu não precisaremos mais ficar juntos porque não há risco algum de que ele tenha seu nome manchado na universidade e eu não serei expulsa por supostamente me relacionar com um professor (que não é meu marido).
Meus olhos voam até Conrado quando me dou conta de que eu estarei livre para voltar para os dormitórios em menos de dois meses. A apresentação será feita quinze dias antes do término do semestre, portanto, Conrado e eu teremos algum tempo para nos despedir. É claro que não vamos nos despedir para sempre, porque eu vou voltar para onde morava antes, há poucos minutos do 707, mas mesmo assim, será uma despedida porque eu não precisarei mais vê-lo de mau humor 24 horas por dia.
E eu estou feliz com isso. Quero muito voltar para meu dormitório. Eu acho.
Os olhos de Conrado pousam sobre mim, mas não há expressão alguma neles. Às vezes desejo poder ler qualquer coisa naquela imensidão cinza que são seus olhos, porém não consigo. É impossível lê-lo. É impossível saber o que ele pensa se ele não me permitir. Odeio isso.
Eu desisto de sustentar seu olhar e finjo que estou procurando alguma coisa na minha bolsa, no entanto, ainda consigo sentir seus olhos sobre mim.
- Estou pensando em fazer alguns ensaios no sábado à tarde – Conrado diz para a turma, que no mesmo momento começa a reclamar em conjunto. A expressão calma de seu rosto se altera e ele volta a ser o ogro que é. Dessa vez sua voz não é tranquila. – Silêncio! Se eu quiser posso fazer ensaios até no domingo. Vocês querem passar nessa matéria ou não?
- Sim – a turma responde em coro.
- Então calem a boca e comecem a me escutar, porque eu não quero atores horríveis no palco, apresentando a peça da qual eu sou o diretor. Entenderam?
- Sim – todos responderam novamente.
Eu precisei segurar um sorriso, porque ver Conrado irritado com outras pessoas (e não comigo) é bastante engraçado. Ele é mesmo assustador com toda sua altura e sua pose de galo de briga.
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707
RomanceA vida de Zahara estava de cabeça para baixo: menos de um mês antes de mudar de cidade, seu namorado a deixou, após dois anos de relacionamento. Convencida de que a faculdade de Artes Cênicas seria boa para ela, Zahara não esperava se meter em um pr...