Uma coisa eu pensava ser mentira.
Eu pensava que Jane estava morta. E não viva.
Mas... Nesse meio tempo que me distraio com o Logan, ao virar a rua, esbarro com alguém do meu lado.
Ergo os olhos, intrigada. Jane à minha frente, me fitou, com um misto de surpresa e medo.
Arya do meu lado, observa a senhora, confusa.
- Samant...! - A outra diz, levando a mão a boca.
- Jane! Você tá viva! Como...? Como é possível? - Perguntei, a princípio sorrindo, mas depois com uma feição confusa.
- Alyce me deixou viva - A senhora sussurou, de modo que só eu pudesse ouvir. - Ela só tem a mim para servi-lá e a defender como precisa. Uma empregada fiel que a defende. Foi esse o acordo quando ela me contratou. Não posso voltar atrás com minha palavra - A mesma continuou, com certo receio na voz.
- Porque não? Você não precisa ficar lá. Eu te ajudo, vamos na polícia, sei lá, qualquer coisa! - Insisti, gesticulando, mas parando no meio com a dor em meu braço.
Jane negou com a cabeça.
- Eu não posso, pequena. Preciso voltar. Não adianta fazer isso escondido dos olhos humanos, pois os olhos do outro mundo também podem ver. Vão me fazer pagar caro por isso, você não entende ainda, mas no fim, tudo irá se esclarecer. - A senhora disse, com armagura na voz. Olhei para Arya, que nos observava em repleto silêncio. Talvez ainda pensando no "Logan". Talves pensando na própria vida.
- Preciso ir, minha menina. - Ela se despediu, docemente. - Fique bem. E preste atenção nas paredes. - Jane sorriu. Franzi a testa. Prestar atenção na parede? O que?
Ela não disse mais nada. Apenas sorriu levemente, se virando e indo em direção a casa de Alyce.
Alyce.
Eu não entendia porque eu merecia ela fazendo aquilo na minha vida.
E mesmo assim, eu não sabia o que ela estava fazendo. O que me deixava mais confusa.
Suspirei, e quando me virei, Jane já havia ido embora. Juntei as sobrancelhas, fazendo uma cara de tristeza, me voltando para Arya.
Pela primeira vez, vi em sua expressão, uma feição séria. Quem leva as coisas a sério. Talvez até mais que eu.
Ela não parecia mais apenas uma garota sapeca que gostava de zoar. Parecia uma pessoa que entendia quando era alguma coisa séria acontecendo.
Dei de ombros, e disse:
- Vem. Vamos embora. Antes que alguém apareça por aqui. - Pedi. Ela acentiu lentamente, se desencostando da parede.
- Eu não sei exatamente o que acontece com você. Como veio parar aqui. Acho que sei apenas a metade da história. Pode me contar? - Ela perguntou, depois de algum tempo. Olhei para o chão, desconfortável, chutando as pedras por onde eu andava.
- Há, não precisa contar se não quiser. - Ela sorriu, compreensiva. Balancei a cabeça. Eu acho que precisava contar mesmo. Desabafar um pouco.
Pacientemente, contei para ela. Desde a minha infância, que eu tinha sonhos, via coisas estranhas. O incêndio. Meus pais mortos. Minha adoção. Ela ouviu tudo. Caminhávamos lentamente, como se quiséssemos tempo para conversar. É bem... acho que eu estava precisando daquilo mesmo.
Quando terminei de falar, ela assentiu com a cabeça, extasiada com a história.
- Bem, eu também não posso falar nada. Minha vida também é muito estranha. De certa forma, eu te entendo. - Arya começou, levando as mãos para trás.
- Minha mãe, Judite, sempre foi, é e sempre será, fútil. Quer sempre as jóias mais caras de todo o lugar. Quer fazer compras toda a semana. E nunca me tratou exatamente como filha. Meu pai, já é mais sossegado, ele sim, considero minha única família. - Ela fez uma pausa - Bem, minha mãe tem grandes dotes artísticos. Acho que herdei isso dela. Fazia quadros, mais raramente. Parece algo que vem... de um jeito espontâneo. Ou quando estou com uma mistura de pensamentos e emoções. Que desenho. Sem parar. E desenho muito. Em geral, quando isso acontece, são desenhos macabros. Hã... pessoas enforcadas, morrendo, sombras no meio das árvores. E o mais sinistro, é que tempos depois, isso que está retratado no desenho, acontece. Assim, com qualquer pessoa. Mais acontece. É estranho porque, quando desenho, eu pareço estar desacordada, ou algo assim. E quando acordo, vejo o desenho feito na minha frente. - Ela franziu os lábios para o lado, tentando lembrar.
- Apenas um desenho que fiz, não aconteceu. Pelo menos eu não vi acontecer. Mas... um desenho que fiz com carvão, em uma tela enorme, está um pequeno pianista, sentado em um banco de couro, dedilhando com extrema habilidade, um piano. O lugar que ele está, parece um sótão. Havia muito pó. E parecia antigo. Algo macabro também. Mas não vi acontecer. Eu tinha apenas nove anos quando desenhei isso. - Arya continuou. A medida que ela ia falando sobre o pianista, meu coração foi acelerando, até quase sair pela boca. Fala sério, aquilo não podia ser consciência.
Olhei para ela. Em silêncio, tentei disfarçar.
- E depois que vim para cá, bem... eu ouvi algo sobre o fantasma de um pianista. É isso mesmo? - Ela perguntou. Assenti lentamente.
- Poxa... Talvez um dia eu possa te mostrar. Qualquer dia que você vá para minha casa, sei lá, pode acontecer. - Ela sorriu. Seus cabelos cinzas voaram para trás com o vento gelado que se abateu por entre os fracos raios de sol.
- É. Então, você desenha dormindo, e eu sonho. Coisas estranhas e macabras. Ambas tem algo haver com tudo que passamos. Me entende agora? Parece que faço parte de um quebra cabeça, do qual as peças estão perdidas por ai. E não dá pra achar. Eu sei que meus pais foram mortos. Não foi acidente aquilo. Não pode ter sido acidente. - Falei, balançando a cabeça. Arya franziu as sobrancelhas, e disse:
- Sim. Eu te entendo - Disse, sorrindo.
- Prometo para você. Tenho certas coisas, acho que chama de... hã... médium? Sim. Dizem que sou médium. Talvez eu poderia te ajudar. Prometo que te ajudo. - Sorriu. Sorri em devolução. Arya parecia mais legal agora. Parecia que alguém finalmente me entendia.
Sorrindo, dobrei a rua da casa de Lolla, com a garota ao lado.
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Tem alguém aí? - Volume 1
TerrorA escola estava ali desde muitos anos atrás. Ninguém sabe ao certo o que antes existia em seu lugar. Há quem acredite que era apenas uma estrada de terra, há quem acredite que era uma simples casa abandonada, e há os que acreditem que ali era um c...