Pesadelo? - Capítulo 3

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A garota que entra em meu quarto é magra; franzina, parecia doente. Seus dedos pareciam cortados, embora eu não tivesse total certeza disso. Vestida com um trapo parecido com os lençóis, não sei definir bem a cor. Rasgado nas pontas, como se gostasse de brincar de costura com as próprias roupas. Cabelos ruivos, mas provavelmente não era natural, contrastando com sua pele morena. Os olhos de um preto cansado e enojado.

Ela me encarou, em um pequeno choque por ver uma garota nova ali. Eu deveria saber que é trágico quando outra pessoa aparece em um orfanato. Como se um novo luto entrasse e atasse todos ali.

─ Olá ─ A garota disse, sem nenhuma emoção ou expressão ─ Imagino que não queira conversar. Sabe, eu vi seu desespero para que a Clara calasse a boca. Acho que depois de perder os pais, as pessoas não se sentem tão ansiosas para conversar.

Sustentei o olhar com o dela. Eu me senti mais tranquila pela primeira impressão da mesma e concordei aos poucos.

─ É algo do tipo ─ sorri fraca e cansativamente. Embora eu realmente não quisesse conversas, estendi-lhe a mão, mesmo que me causasse aflição tocar em seus dedos de sangue seco.

Ela sorriu sutilmente, mas ao fitar minha mão pareceu indecisa sobre cumprimentar-me ou não. Perguntei-me se ela possuía amigos por ali; mas não fui além.

─ Meu nome é Samantha. Mas pode me chamar de Sam. Acho que não estou mais sorrindo. Desvencilhou-se de minha mão e olhou-me esfregando o trapo marrom na perna.

─ Chamo-me Katherine, mas se quiser, pode me chamar de Kate ─ Concordei, um tanto desconfortável, mas por algum motivo, ela me passou algo bom, deixando-me um pouco mais à vontade. Ela apontou para minha bolsa.

─ Vai guardar alguma coisa? – inquiriu.

─ Sim, estava pensando exatamente isso. Não tenho muito, apenas meus livros e cadernos da minha escola.

─ Antiga escola, você quer dizer. Aqui ninguém sai para nada. Temos algumas "aulas" toda tarde. Sua antiga escola fica muito longe daqui? O jeito que fala me dá a impressão que sabe tudo sobre mim.

─ Na verdade é isso mesmo. Minha escola fica longe e já era. ─Sinto lágrimas nos olhos quando me lembro de meus pais e de amigas que provavelmente não verei mais.

─ Ah, não fique triste por isso. ─ Fico a contemplá-la e, por breves segundos, pareceu-me que lia meus pensamentos.

─ Triste pelo quê?

─ Por... Pela sua escola, claro. ─ Eu estava desconfiada, tanto com aquele orfanato, tanto como Kate. Ela me dava arrepios; mesmo que algo me dissesse que ela não me faria mal ─ Bem, pode guardar seus livros ali naquela cômoda. Agora são cinco para as sete. A Clara vai nos chamar para jantar. Bem, tenha paciência. As pessoas daqui são... um tanto irritantes. ─ Avisou com voz amistosa.

─ Olhei de novo para os cortes em seus dedos e depois desviei o olhar, pegando minha bolsa e tirando meus livros de lá.

Abri a gaveta, ouvindo sua voz atrás de mim:

─ Você deve estar se perguntando sobre esses cortes em meus dedos. Não sei se você acreditaria em mim. Você poderia me chamar de louca... Bem, de qualquer forma, meu histórico aqui não é dos melhores. Saiba que você está com a menina mais... Estranha daqui. ─ Ela disse soturna. ─ Assinto, lentamente, fechando a gaveta assim que termino de guardar meus livros. Volto-me para ela, que exibia um sorriso estranho nos lábios. Pisco confusa, desviando os olhos assim que ouço uma pancada na porta.

Tem alguém aí? - Volume 1 Onde histórias criam vida. Descubra agora