A maior parte do tempo eles ficavam em seus quartos, eu entrava apenas para entregar a medicação ou quando algum deles queria algo. As refeições eram regulares, Arthur sempre estava olhando pela janela quando entrava em seu quarto e raramente desviava o olhar para mim, era como se ele estivesse sonhando, "talvez esteja sonhando com a liberdade." Pensava quando o via com o olhar tão distante, para alem daquela janela, daquele hospital e talvez ate mesmo para longe daquela cidade.
Porem os olhares que Arthur não me dava o paciente do 245 não deixava de dar, sempre que entrava em seu quarto ele me olhava dos pés a cabeça, ele era um homem esguio, com um cabelo liso de um castanho escuro que caia sobre os ombros, seus olhos castanhos me seguiam por todo o quarto com um brilho sinistro. Eu já estava esperto quanto a esse paciente, sua ficha era repleta de estupros, tratava de uma compulsão dele e por esse motivo ele era sempre mantido contido em seu leito, as poucas vezes que o desamarravam da cama era para colocá-lo em uma camisa de força, e nunca um enfermeiro só fazia isso, eram sempre três ou quatro para esse serviço, depois do Arthur essa era o paciente mais perigoso da "ala do Diabo."
Eu comecei fazendo plantões de 12 horas então me mudaram para um plantão de vinte quatro por vinte quatro, eu trabalhava um dia inteiro para folgar o outro. Com duas semanas eu já estava esgotado, era frenquente os surtos na ala do Diabo, pacientes que se recusavam a tomar sua medicação e partiam para cima enfermeiros. Era uma terça feira quando entrei no quarto 306 para realizar a medicação, em um surto o paciente começou a quebrar tudo foi preciso que mais dois enfermeiros me ajudassem a sedá-lo, na tentativa de fuga do paciente acabei por levar um soco na boca que rompeu meu lábio, apesar do lábio cortado e dolorido não parei meu trabalho e continue a passar nos demais quartos.
- bom dia Arthur. - digo educadamente ao adentrar seu quarto, como das outras vezes ele estava sentado em frente a janela. - sua medicação.
- sua boca. - disse ele olhando para meu lábio inchado e ferido.
- ah... não foi nada, tome. - estendi o copo com água e os comprimidos.
- quem fez isso?
- um dos pacientes teve um surto. - sorri amarelo para ele. - pode acontecer com qualquer um aqui dentro.
- pode sim. - ele me entregou o copo vazio e voltou a olhar para fora, segui seu olhar para alem das grades, sua janela dava para o jardim lateral, as flores de cores tão vivas e as arvores com sombras tão frescas era um cenário de piquenique. - elas são lindas não acha?
- sim, são mesmo muito lindas. - digo.
- fique aqui mais um pouco. - disse quando comecei a me virar para a porta.
- eu preciso voltar ao meu trabalho Arthur.
- pegue a cadeira que esta do lado da cama e coloque-a do meu lado e sente-se comigo. - não era um pedido e nem uma ordem, era apenas uma instrução, como se eu tivesse dito sim ao pedido dele. - pare de me irritar e pegue logo a cadeira Thomas.
Durante essas duas semanas era a primeira vez que ele me chamava pelo nome, eu poderia dizer que meu corpo se moveu sem minha ordem e que eu fiz o que ele mandou por alguma força estranha da qual não posso nomear ou entender, mas a verdade é que eu peguei a cadeira e me sentei do seu lado porque eu quis, não houve hipnotismo nem nada do tipo, eu apenas quis e fiz, por longos minutos o silencio prevaleceu no quarto, os únicos som era dos pássaros La fora.
- aqui não é um bom lugar para trabalhar. - disse ele de repente.
- eu sei. - digo desanimado.
- mais não tenho escolha.
- você tem sempre uma escolha. - ele me olhou nos olhos. - você tinha outra opção, mas você não a quis e por isso esta aqui agora.
- como sabe que eu tinha outra opção?
- você não esta preso aqui, não é obrigado a continuar trabalhando nesse hospício... mas você escolheu continuar aqui e aceitar que ti colocasse em um buraco como esse... porque fez isso?
- eu não sei, mas ate que não é tão ruim assim. - digo dando de ombros, nunca gostei de demonstra fraqueza. - bom, agora tenho que ir, não posso passar o dia aqui.
- se quiser você pode, nesse lugar ninguém liga para o que você faz. - Arthur se levantou e caminhou ate mim que estava segurando a maçaneta, pousou a mão sobre a minha impedindo que eu abrisse a porta.
Seu corpo estava muito próximo do meu e isso me causava um calor diferente, era embriagante seu cheiro. Olhei em seus olhos e era como se eu pudesse me ver através deles, Arthur despertava em mim algo que por muito tempo tentei esconder, mas perto dele nem mesmo minha melhor mascara era suficiente para impedir que visse quem sou.
- você virá ficar comigo todas as manhas. - não sei dizer se era uma pergunta ou uma afirmação, mas independente do que fosse a resposta seria sim de qualquer forma, errado ou não eu me sentia atraído por ele como uma mariposa se atrai pela luz. Uma perigosa e desastrosa atração que, no entanto, ela não pode evitar.
Não vou mentir, eu achei que Arthur fosse me beijar naquele momento, porem ele apenas se afastou e voltou para sua janela, ainda meio atordoado e frustrado eu sai do quarto, voltei a rotina do setor. Eu já estava a muito tempo correndo de um lado para o outro, quando ele disse que ninguém se importa ali, ele não estava brincando, realmente ninguém ligava, por ter pacientes tão perigosos era obrigatório que tivesse policiais pelos corredores, mas não era isso que acontecia. Os policias que deveria estar nos corredores ficavam em uma sala no fundo onde eles bebiam, jogavam e dormiam, era raro vê-los sair de lá para fazer o trabalho deles.
O dia ate que passava com certa velocidade, porem a noite era insuportável, e o cenário ficava ainda mais sombrio. Do posto de enfermagem onde eu ficava era possível ver todo o corredor, as lâmpadas bem afastadas umas das outras causavam um vão de sombra, algumas pareciam estar com algum problema elétrico pois não paravam de piscar. Talvez por ser cercado por mato durante a noite era muito frio, mesmo com as portas e janelas fechada os corredores da ala D. não aqueciam.
Eu estava em meu posto tremendo de frio, mesmo com uma longa blusa de lã branca eu me sentia congelar, não havia mais ninguém ali alem de mim. Tive a sensação de estar sendo observado então levantei minha cabeça, ao fundo do corredor, parado no vão entre as lâmpadas e escondido na sombra estava um homem, e apesar de não conseguir ver seu rosto eu sabia que ele me encarava, eu podia sentir seus olhos em mim, fique alguns minutos olhando-o ate que meu cérebro me alertou do perigo. Ele era um dos pacientes, "como ele saiu do quarto?" me perguntei enquanto estendia a mão lentamente para pegar o telefone, ele não se movia poderia ser confundido com uma estatua se não fosse eu ter a absoluta certeza de que minutos antes aquele corredor estava vazio.
Alcancei o telefone e disque o numero da recepção.
- alo? - a voz feminina um pouco sonolenta ecoou pelo corredor, devido ao silencio que pairava ela me pareceu mais alta do que eu gostaria que fosse.
- emergência, paciente em fuga no corredor 2. preciso de ajuda agora. - digo apressado, ao ouvir-me falar o homem começou a caminhar, primeiro com passos lentos ate tomar velocidade e logo estar correndo em minha direção. Eu estava em grandes apuras naquela hora.
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Você acredita que monstros podem amar?
RomansaUm Anjo ou Um Psicopata. - Vejo a morte de uma forma que pessoas como você não ver... – a morte é a saída para toda a dor desse mundo, ela é a verdadeira paz... – apenas as boas pessoas merecem ter paz.... "Meu lado secreto eu mantenho, Escondido...