7- Como nascem os monstros?

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Eu estava caminhando por uma rua escura, estava com minha camisa de dormir e minha bermuda leve, meus pés descalços não sentiam nem a umidade da calçada nem o frio que deveria estar fazendo, mesmo assim o vento soprava constantemente e uma garoa fina caia do céu negro, eu conhecia aquela calçada de muito tempo atrás, eu já sabia do que se tratava.

Era mais um daqueles pesadelos, olhei para trás na tentativa de fugir dali mais como em todos as outras vezes o caminho atrás de mim sumia, se desfazendo em fumaça, a escuridão vinha tomando força e se aproximando de mim, ou eu prosseguia ou ela me dominaria eu não sabia dizer o porque, mas só de pensar em ser pego pela escuridão meu corpo se enchia de medo e como todas as outras vezes eu não conseguia acordar então me pus a correr, eu corria ate chegar a uma parte da rua onde tinha um garotinho, eu o reconheci,seu cabelo molhado pelo garoa, seu uniforme da escola, mas era altas horas da noite, ele não vinha e ia para a escola, ele estava perdido, havia se perdido de seu avó em um bairro que não conhecia, ele estava assustado e sozinho. Sozinho, por Deus ele estava sozinho mais uma vez.

Eu sabia de cor o que iria acontecer e comecei a correr em sua direção, eu tentava correr mais rápido mas como em todo pesadelo eu andava em câmera lenta, meu desespero aumentava a cada passo e eu nunca conseguia alcançá-lo. "eu preciso alcançá-lo." Pensava desesperando enquanto gritava seu nome.

O garotinho de costas para mim virou-se lentamente para o carro preto que parava ao seu lado, era como um filme, eu via e não podia interferir, minha voz não o alcançava, minhas pernas estava mais pesadas do deveriam estar e mais uma vez eu vi o garotinho entra naquele carro. Seus olhos me fitavam pelo vidro traseiro enquanto o carro saia em disparada pela rua deserta, seu olhar em meu rosto fazia-me queimar, mais uma vez não pude evitar que aquilo continuasse, mais uma vez eu teria de ver tudo acontecer novamente.

A escuridão voltou a tomar força me obrigando mais uma vez a prosseguir meu caminho,ate que então eu estava diante de uma casa desfigurada, seu telhado estava quebrado assim como o vidro das janelas, na varanda havia muita sujeira e entulho que estavam tomados pelo mato alto, eles tinha um movimento estranho, tudo em minha volta parecia ser feito de fumaça densa. Fui entrando lentamente pelo portão, quando cheguei a frente da casa a porta se abriu como um convite fantasmagórico para mim entrar, tudo me obrigava a continuar, mesmo eu não querendo ate mesmo meus pés caminhavam contra minha vontade para dentro daquele lugar assustador. Eu ouvia as vozes como se estivessem vindo das paredes, as vozes estavam impregnadas nas paredes junto com toda aquela sujeira e abandono.

"o que vocês querem comigo?" a voz assustada e inocente de um garotinho ecoou.

"eu gostei de você garoto." A voz fria tomou meus ouvidos me causando arrepios, gargalhadas ecoaram atrás, "gostei, gostei, gostei" a palavra ecoava em meus ouvidos, então vieram os gritos e choro. Eu estava parado no que deveria ser a sala da casa, eu não conseguia, não, eu não queria prosseguir, "CHEGA." Gritei para as paredes enquanto em um ato inútil tapava meus ouvidos, "eu não quero ver... eu não quero... lembrar." Repetia para mim mesmo enquanto me encolhia no chão empoeirado da velha casa.

Porem as risadas não pararam e mesmo contra minha vontade eu fui arrastado pela casa enquanto aquela voz dizia com frieza e divertimento. "não vou dizer que vai ficar tudo bem, nem vou dizer para não se apavorar, porque não vai ficar nada bem e você deve sim ter medo."

"por que esta fazendo isso?" ouvi o garoto com a voz chorosa.

"porque eu gostei de você." E mais gargalhadas diabólicas. "e por causa disso você vai sofrer." Mais risadas. "a culpa disso tudo é sua, por me fazer gostar de você... garoto."

As vozes eram mais altas e mais claras agora e quando elas pararam eu abri meus olhos e vi o teto mofado da casa, eu estava deitado, mas não sentia nada abaixo de mim, apenas fitei o teto onde havia teias de arranha nos cantos e em alguns pontos tinha goteiras, fiquei olhando para as rachaduras por onde pingava a água ate que elas sumiram e deu lugar a dois olhos azuis acinzentados, eles era assustadores, eu tremia mas não era de frio. Eram aqueles olhos que me fitavam com um misto de felicidade, divertimento e... Orgulho? Talvez seja o orgulho pelo que ele chamou a pouco tempo de "trabalho bem feito".

"vamos matá-lo agora." A voz vinha de detrás do monstro a quem pertencia os olhos.

"não." Disso o meu monstro frio.

"o que? Porque?" protestou o parceiro do monstro, este mantinha um canivete suíço na mão, era um belo canivete vermelho sangue com detalhes em prata, a lamina reluzia no brilho fraco das lanternas e eu apenas observava a lamina, não tinha medo daquele pequeno metal afiado, pelo contrario, meu olhar claramente desafiava aquela coisinha a me ferir de maneira pior que a maneira como o monstro de olhos azuis fizera pouco antes.

Eles me fitavam como se pudesse me atravessar, eu não podia me mover, estava paralisado. "alguns monstros nascem com nossa alma e crescem se alimentando da dor dos outros, mas há outros monstros que nascem com o sofrimento e cresce se alimentando de sua própria dor ate que sua dor não seja mais o suficiente e então tenha que procurar outros que o alimentem... deixe-o ai... e veremos o que nascera daqui." Seu sorriso era como o de qualquer outro psicopata, mas pra mim ele tinha presas tão afiadas e mortais quanto de um animal perigoso. E ele usou todas as presas a garras que ele tinha para me ferir, não só física com psicologicamente, eu estava acabado. "...veremos o que nascera daqui..." "...alguns monstros nascem com o sofrimento..." eu ouvia-o dizer enquanto tudo ficava tomado pela escuridão.

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