Era hora do almoço. As duas senhoras puseram-se à mesa.
Aurélia distinguia-se pela sobriedade, que era nela a conseqüência de temperamento
e educação. Não quer isto dizer que fosse dessa espécie de moças papilionáceas que se
alimentam do pólen das flores, e para quem o comer é um ato desgracioso e prosaico.
Bem ao contrário, ela sabia que a nutrição dá a seiva de beleza, sem a qual as cores
desmaiam nas faces e os sorrisos nos lábios, como as efêmeras e pálidas florações de uma
roseira ética.
Assim não tinha vergonha de comer; e sem vaidade acreditava que o esmalte de seus
dentes não era menos gracioso quando eles se triscavam como a crepitação de um colar de
pérolas, nem o matiz de seus lábios menos saboroso quando chupavam uma fruta, ou se
entreabriam para receber o alimento.
Nessa ocasião, porém, a moça fez exceção a seus hábitos de sobriedade; ela que não
gostava de especiarias, e só de longe em longe bebia algumas gotas de licor, quis
experimentar quanto molho e condimento picante havia em casa; e para remate bebeu um
cálice de Xerez.
D. Firmina sem esquecer o almoço, continuava a observar de parte a menina, cada
vez mais convencida da existência de um acontecimento importante que havia alterado a
calma habitual da moça.
Esse acontecimento, na opinião da viúva, não podia ser outro senão aquele que
tamanha influência exerce nas meninas de dezoito anos, sobretudo se não dependem de
ninguém para dispor de si.
D. Firmina tinha pois como certo que Aurélia, a desdenhosa, sentira afinal uma
inclinação; estava ansiosa a viúva, para conhecer o feliz que tivera o poder de cativar a
altiva rainha dos salões, tão adorada, quanto fria e indiferente.
Revolvia na mente as recordações da noite anterior para certificar-se que não
aparecera no baile nenhum moço desconhecido de quem Aurélia se pudesse apaixonar de
súbito. Devia ser pois qualquer dos antigos adoradores, dos que ela escarnecia, que por
alguma circunstância inexplicável alcançara render-lhe enfim o coração.
Não se pode conter a viúva; em risco de desagradar a menina, dirigiu-lhe uma
pergunta indireta com que se propunha a entabular a conversa, e conforme a resposta
dirigí-la para o ponto.
- Não sei que lhe acho hoje, Aurélia! Parece-me tão contente, e até mais bonita, se é
possível, do que de costume!
- Deveras!
- Não é exageração, não. Olhe! As moças quando se vestem para um baile onde
esperam encontrar alguém, ficam mais bonitas do que são. Mas você está hoje ainda mais
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Senhora- José de Alencar
RomanceOBRA DE DOMÍNIO PUBLICO *NÃO SOU A ESCRITORA DA OBRA, ESTOU APENAS REESCREVENDO PARA O APLICATIVO CLÁSSICO DA LITERATURA BRASILEIRA