Aurélia passava agora as noites solitárias.
Raras vezes aparecia Fernando, que arranjava uma desculpa qualquer para justificar
sua ausência. A menina que não pensava em interrogá-lo, também não contestava esses
fúteis inventos. Ao contrário buscava afastar da conversa o tema desagradável.
Conhecia a moça que Seixas retirava-lhe seu amor; mas a altivez do coração não lhe
consentia queixar-se. Além de que, ela tinha sobre o amor idéias singulares, talvez
inspiradas pela posição especial em que se achara ao fazer-se moça.
Pensava ela que não tinha nenhum direito a ser amada por Seixas; pois toda a afeição
que lhe tivesse, muita ou pouca, era graça que ela recebia. Quando se lembrava que esse
amor a poupara à degradação de um casamento de conveniência, nome com que se decora
o mercado matrimonial, tinha impulsos de adorar a Seixas, como seu Deus e redentor.
Parecerá estranha essa paixão veemente, rica de heróica dedicação, que entretanto
assiste calma, quase impassível, ao declínio do afeto com que lhe retribuía o homem
amado, e se deixa abandonar, sem proferir um queixume, nem fazer um esforço para reter a
ventura que foge.
Esse fenômeno devia ter uma razão psicológica, de cuja investigação nos abstemos;
porque o coração, e ainda mais o da mulher que é toda ela, representa o caos do mundo
moral. Ninguém sabe que maravilhas ou que monstros vão surgir desses limbos.
Suspeito eu porém que a explicação dessa singularidade já ficou assinalada. Aurélia
amava mais seu amor do que seu amante; era mais poeta do que mulher; preferia o ideal ao
homem.
Quem não compreender a força desta razão, pergunte a si mesmo porque uns
admiram as estrelas com os pés no chão, e outros levantados às grimpas curvam-se para
apanhar as moedas no tapete.
Desde que se comprometeu com Amaral, pensou Fernando em cortar de uma vez o
fio que ainda o prendia a Aurélia; nessa disposição repetiu suas visitas.
Em princípio a menina cuidou que Seixas lhe voltava, e encheu-se de júbilo; mas não
durou a ilusão. Logo percebeu que não era o desejo de vê-la e estar com ela, o que levava o
moço à sua casa; pois os poucos instantes de demora passava-os inteiramente distraído e
como perplexo.
- O senhor quer dizer-me alguma coisa, mas receia afligir-me, observou a menina
uma noite com angélica resignação.
Fernando aproveitou a ocasião para resolver a crise.
- Meu voto mais ardente, Aurélia, sonho dourado de minha vida, era conquistar uma
posição brilhante para depô-la aos pés da única mulher que amei nesse mundo. Mas a
fatalidade que pesa sobre mim aniquilou todas as minhas esperanças; e eu seria um egoísta,
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Senhora- José de Alencar
RomanceOBRA DE DOMÍNIO PUBLICO *NÃO SOU A ESCRITORA DA OBRA, ESTOU APENAS REESCREVENDO PARA O APLICATIVO CLÁSSICO DA LITERATURA BRASILEIRA