Afastemos indiscretamente uma dobra do reposteiro que recata a câmara nupcial.
É uma sala em quadro, toda ela de uma alvura deslumbrante, que realçavam o azul
celeste do tapete de riço recamado de estrelas e a bela cor de ouro das cortinas e do estofo
dos móveis.
A um lado duas estatuetas de bronze dourado representando o amor e a castidade,
sustentam uma cúpula oval de forma ligeira, donde se desdobram até o pavimento,
bambolins de cassa finíssima.
Por entre a diáfana limpidez dessas nuvens de linho percebe-se o molde elegante de
uma cama de pau-cetim pudicamente envolta em seus véus nupciais, e forrada por uma
colcha de chamalote também cor de ouro.
Do outro lado, há uma lareira, não de fogo, que o dispensa nosso ameno clima
fluminense, ainda na maior força do inverno. Esse chaminé de mármore cor de rosa é
meramente pretexto para o cantinho de conversação, pois que não podemos chamá-lo
como os franceses o coin du feu.
A bem dizer a lareira não passa de uma jardineira que esparze o aroma de suas flores,
em vez do brando calor do lume, por aquele círculo, onde estão dispostas algumas
poltronas baixas e derreadas, transição entre a cadeira e o leito.
O aposento é iluminado por uma grande lâmpada de gás, cujo globo de cristal opaco
filtra uma claridade serena e doce, que derrama-se sobre os objetos e os envolve como de
um creme de luz.
Correu-se uma cortina, e Aurélia entrou na câmara nupcial.
Seu passo deslizou pela alcatifa de veludo azul marchetado de alcachofras de ouro,
como o andar com que as deusas perlustravam no céu a galáxia quando subiam ao olimpo.
A formosa moça trocara seu vestuário de noiva por esse outro que bem se podia
chamar traje de esposa; pois os suaves emblemas da pureza imaculada, de que a virgem se
reveste quando caminha para o altar, já se desfolhavam como as pétalas da flor do outono,
deixando entrever as castas primícias do santo amor conjugal.
Trazia Aurélia uma túnica de cetim verde, colhida à cintura por um cordão de torçal
de ouro, cujas borlas tremiam com seu passo modulado. Pelos golpeados deste simples
roupão borbulhavam os frocos de transparente cambraia, que envolviam as formas
sedutoras da jovem mulher.
As mangas amplas e esvasadas eram apanhadas, na covinha do braço e sobre a
espádua, por um broche onde também prendia a ombreira, mostrando o braço mimoso, cuja
tez roseava a camisa de cambraia abotoada no punho por uma pérola.
Os lindos cabelos negros refluiam-lhe pelos ombros presos apenas com o aro de
ouro, que cingia-lhe a opulenta madeixa; o pé escondia-se em um pantufo de cetim que às
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Senhora- José de Alencar
RomanceOBRA DE DOMÍNIO PUBLICO *NÃO SOU A ESCRITORA DA OBRA, ESTOU APENAS REESCREVENDO PARA O APLICATIVO CLÁSSICO DA LITERATURA BRASILEIRA