Capítulo IX

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Tornemos à câmara nupcial, onde se representa a primeira cena do drama original, de

que apenas conhecemos o prólogo.

Os dois atores ainda conservam a mesma posição em que os deixamos. Fernando

Seixas obedecendo automaticamente Aurélia, sentara-se, e fitava a moça com um olhar

estupefato. A moça arrastou a cadeira e colocou-se em face do marido, cujas faces crestava

o seu hálito abrasado.

- Não careço dizer-lhe que amor foi o meu, e que adoração lhe votou minha alma

desde o primeiro momento em que o encontrei. Sabe o senhor, e se o ignora, sua presença

aqui nesta ocasião já lhe revelou. Para que uma mulher sacrifique assim todo seu futuro,

como eu fiz, é preciso que a existência se tornasse para ela um deserto, onde não resta

senão o cadáver do homem que a assolou para sempre.

Aurélia calcou a mão sobre o seio para comprimi a emoção que a ia dominando.

- O senhor não retribuiu meu amor e nem o compreendeu. Supôs que eu lhe dava

apenas a preferência entre outros namorados, e o escolhia para herói de meus romances, até

aparecer algum casamento, que o senhor, moço, honesto, estimaria para colher à sombra o

fruto de suas flores poéticas. Bem vê que eu o distingo dos outros, que ofereciam

brutalmente mas com franqueza e sem rebuço, a perdição e a vergonha.

Seixas abaixou a cabeça.

- Conheci que não amava-me, como eu desejava e merecia ser amada. Mas não era

sua a culpa e só minha que não soube inspirar-lhe a paixão, que eu sentia. Mais tarde, o

senhor retirou-me essa mesma afeição com que me consolava e transportou-a para outra,

em quem não podia encontrar o que eu lhe dera, um coração virgem e cheio de paixão com

que o adorava. Entretanto, ainda tive forças para perdoar-lhe e amá-lo.

A moça agitou então a fronte com uma vibração altiva:

- Mas o senhor não me abandonou pelo amor de Adelaide e sim pelo seu dote, um

mesquinho dote de trinta mil cruzeiros! Eis o que não tinha o direito de fazer, e que jamais

lhe podia perdoar! Desprezasse-me embora, mas não descesse da altura em que o havia

colocado dentro de minha alma. Eu tinha um ídolo; o senhor abateu-o de seu pedestal, e

atirou-o no pó. Essa degradação do homem a quem eu adorava, eis o seu crime; a

sociedade não tem leis para puni-lo, mas há um remorso para ele. Não se assassina assim

um coração que Deus criou para amar, incutindo-lhe a descrença e o ódio.

Seixas que tinha curvado a fronte, ergueu-a de novo, e fitou os olhos na moça.

Conservava ainda as feições contraídas e gotas de suor na raiz dos seus belos cabelos

negros.

- A riqueza que Deus me concedeu chegou já tarde; nem ao menos permitiu-me o

prazer da ilusão, que tem as mulheres enganadas. Quando a recebi, já conhecia o mindo e

Senhora- José de AlencarOnde histórias criam vida. Descubra agora