As partidas de Aurélia, ou recepções, como as chamava o Alfredo Moreira, à
parisiense, eram das mais brilhantes que então se davam na corte.
Sem galopes infernais e as extravagantes figuras que fazem das quadrilhas e valsas
um perfeito corrupio de idos ou um remoinho de gente tocada da tarântula, reinava ali
sempre uma animação de bom gosto que excitava o prazer e derramava a alegria sem
amarrotar as moças, nem espremer as damas entre os cavalheiros.
Aurélia descobrira um meio engenhoso de obter este resultado. Quando os rapazes
que deviam dar o tom à reunião, se retraíam com fingidas esquivanças, e não se
apressavam em tirar pares e trazê-los ao meio da sala, a dona da casa anunciava a quadrilha
dos casados.
Essa quadrilha, como o nome indica, era dançada unicamente pelos maridos com
suas mulheres. Ninguém escapava; não se admitia isenção alguma, nem de idade, nem de
moléstia. Aurélia era inflexível, e não havia de resistir à sua doce tirania. Se ela tinha
desses caprichos despóticos e impertinentes, possuía em compensação um tacto superior
para cativar a todos com sua fina e graciosa amabilidade.
O disparate das idades e a obrigação do galanteio entre as duas caras metades, às
vezes tão desencontradas, servia de divertimento geral, até aos próprios velhos reumáticos.
As matronas gostavam interiormente desta fantasia que as remoçava, embora deitassem sua
cafanga, como exigia a decência.
O mais apreciado porém era a pirraça feita aos rapazes, que além de ficarem de fora e
perderem os lindos pares escolhidos entre as senhoras casadas, sofriam de ricochete os
amuos das meninas solteiras, aborrecidas por não dançarem e obrigadas a fazer o papel de
tias, ocupando o lugar das mães que tinham tomado os seus.
Disso resultava que os rapazes com receio de tal quadrilha jarreta, desenvolviam uma
atividade exemplar à primeira arcada da rabeca, e entretinham constante animação na sala,
sem que Aurélia se incomodasse em rogar a esses meus senhores o especial obséquio de
dançar.
A Lísia Soares dizia que essa intervenção não passava de um disfarce de Aurélia para
dançar com o marido, de quem andava cada vez mais namorada; a tal ponto que dava-se a
esses desfrutes.
Aparecera nessas partidas Eduardo Abreu, a quem os camaradas desde muito não
viam na sociedade. Aurélia acolheu-o com afetuosa distinção, e reservava-lhe sempre uma
de suas quadrilhas tão disputadas pelos inúmeros admiradores.
Acabava de dançar com ele, e passeava pelo salão ao seu braço. O Alfredo Moreira,
com esse espírito de restilo que fornece a vida leviana aos leões de sala, vendo-os passar,
disse para um companheiro:
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Senhora- José de Alencar
RomanceOBRA DE DOMÍNIO PUBLICO *NÃO SOU A ESCRITORA DA OBRA, ESTOU APENAS REESCREVENDO PARA O APLICATIVO CLÁSSICO DA LITERATURA BRASILEIRA