Aceitando a companhia de D. Firmina, não era intenção de Aurélia, tornar-se pesada
à sua parenta.
Passados os oito dias de nojo, enviou pelo Dr. Torquato Ribeiro um anúncio ao
jornal, oferecendo mediante condições razoáveis seus serviços como professora de colégio,
ou mestra em casa de família. Estava porém disposta a descer até o mister mais modesto de
costureira, ou mesmo de aia de alguma senhora idosa. Decorreu mais de mês, sem que
aparecesse coisa séria. Apenas se apresentaram alguns desses farejadores de aventuras
baratas, a 10 centavos por linha. D. Firmina porém percebeu-lhes a manha, e despedindoos
da escada, sem consentir que vissem a moça.
Pensava Aurélia em mandar outro anúncio, quando a procurou um negociante, que
andara à cata de sua nova morada. Era o correspondente do falecido Camargo, que vinha
comunicar à moça o falecimento do fazendeiro.
- A senhora tem em seu poder um papel, que o meu amigo lhe deu a guardar,
recomendando-me que no caso de acontecer-lhe alguma coisa, lhe avisasse para abri-lo.
Parece que tinha um pressentimento.
O papel continha o testamento em que Lourenço de Sousa Camargo reconhecia e
legitimava como seu filho a Pedro Camargo, que fora casado com D. Emília Lemos;
declarando que à sua neta D. Aurélia Camargo, nascida de um legítimo matrimônio, a
instituía sua única e universal herdeira.
Ao testamento juntara o velho uma relação detalhada de todo o seu possuído, escrita
do próprio punho, com várias explicações relativas a alguns pequenos negócios pendentes,
e conselhos acerca da futura direção das fazendas.
Calculava-se o cabedal de Camargo em um milhão de cruzeiros ou cerca. Apenas
divulgou-se a notícia de ter Aurélia herdado tamanha riqueza, acudiram-lhe à casa todos os
parentes, e à frente deles o Lemos com seu rancho.
Enquanto a mulher e as filhas sufocavam de interesseiros agrados e bajulações a órfã,
a quem tinham faltado quando pobre com a mais trivial caridade, o Lemos, expedito em
negócios, arranjava do juiz de órfãos a nomeação de tutor da sobrinha.
De primeiro impulso, Aurélia pensou em revoltar-se contra essa nomeação,
mostrando ao juiz a infame carta que lhe escrevera o tio; mas além de repugnar-lhe o
escândalo, sorriu-lhe a idéia de ter um tutor a quem dominasse.
Aceitou pois o tio, mas com a condição que já sabemos, de morar em casa sua, e não
ter relações com uma família cuja presença lhe recordava a injúria feita à sua mãe. Isso
mesmo disse-o à ti e primas, quando estas se esforçavam por cobri-la de carícias.
A riqueza, que lhe sobreveio inesperada, erguendo-a subitamente da indigência ao
fastígio, operou em Aurélia rápida transformação; não foi, porém, no caráter, nem nos
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Senhora- José de Alencar
RomanceOBRA DE DOMÍNIO PUBLICO *NÃO SOU A ESCRITORA DA OBRA, ESTOU APENAS REESCREVENDO PARA O APLICATIVO CLÁSSICO DA LITERATURA BRASILEIRA