Capítulo VI

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Fazia um luar magnífico.

Seixas conversava com D. Firmina na calçada de mármore de frente, que a folhagem

das árvores cobria de sombra.

À direita do marido estava Aurélia reclinada em uma cadeira mais baixa de encosto

derreado, cômodo preguiceiro para o corpo e o espírito que deseja cismar.

Desde a tarde da explicação relativa ao toucador, as relações dos dois companheiros

dessa grilheta matrimonial se tinham modificado.

Como se houvessem naquela ocasião exaurido toda a dose de fel e acrimônia,

acumulada nesse primeiro mês de casados, desde o dia seguinte suas palavras

correspondendo à amenidade e apuro das maneiras, perderam a ponta de ironia, de que

anteriormente vinham sempre armadas, como as vespas de seu dardo sutil e virulento.

Conversavam menos de si; falando sobre coisas indiferentes ou banais, acontecialhes

durante muitas horas esquecerem-se da fatalidade que os tinha unido em uma eterna

colisão para se dilacerarem mutuamente a alma.

Seixas descrevia naquele momento a D. Firmina o lindo poema de Byron, Parisina.

O tema da conversa fora trazido por um trecho da ópera que Aurélia tocara antes de vir

sentar-se na calçada.

Depois do poema ocupou-se Fernando com o poeta. Ele tinha saudade dessas

brilhantes fantasias, que outrora haviam embalado os sonhos mais queridos de sua

juventude. A imaginação, como a borboleta que o frio entorpeceu e desfralda as asas ao

primeiro raio do sol, doudejava por essas flores d'alma.

Não falava para D. Firmina, que talvez não o compreendia, nem para Aurélia que

certamente não o escutava. Era para si mesmo que expandia as abundâncias do espírito; o

ouvinte não passava de um pretexto para esse monólogo.

Às vezes repetia as traduções que havia feito das poesias soltas do bardo inglês; essas

jóias literárias, vestidas com esmero, tomavam maior realce na doce língua fluminense, e

nos lábios de Seixas que as recitava como um trovador.

Aurélia a princípio entregara-se ao encanto daquela noite brasileira, que lhe parecia

um sonho de sua alma pintado no azul diáfano do céu.

Umas vezes ela refugiava-se no mais espesso da sombra, como se receasse que os

raios indiscretos da lua viessem espiar em seus olhos os recônditos pensamentos. Daí, da

escuridão em que se embuçava, entretinha-se a ver as árvores e os edifícios flutuando na

claridade que os inundava como um lago sereno.

Outras vezes inclinava a medo e lentamente a cabeça até encontrar a faixa de luar

que passava entre as duas folhas de palmeira, e vinha esbater-se na parede. Então essa veia

Senhora- José de AlencarOnde histórias criam vida. Descubra agora