QUARTA PARTE "RESGATE"- Capítulo I

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Havia baile em São Clemente.

Aurélia ali estava como sempre, deslumbrante de formosura, de espírito e de luxo.

Seu traje era um primor de elegância; suas jóias valiam um tesouro, mas ninguém

apercebia-se disso. O que se via e admirava era ela, sua beleza, que enchia a sala, como um

esplendor.

O baile em vez de fatigá-la, ao contrário a expandia. Semelhante às flores tropicais,

filhas do sol, que ostentam o brilhante matiz nas horas mais ardentes do dia, era justamente

nesse pélago de luz e paixões, que Aurélia revelava toda a opulência de seu beleza.

Seixas a contemplava de parte.

As outras moças, de meia noite em diante, começavam a murchar-se; o cansaço

desbotava-lhes a cor, ou afogueava-lhes o rosto. O talhe denunciava o excesso da fadiga na

languidez das inflexões ou na rispidez do gesto.

Aurélia ao contrário, à medida que adiantava-se a noite, desferia de si mais seduções,

e parecia entrar na plenitude de sua graça. A correção artística de seu traje ia

desaparecendo no bulício do baile. Como o primeiro esboço que surge afinal do cinzel

impetuoso do artista, ao fogo da inspiração, sua estátua recebia da admiração da turba os

últimos toques.

Quando em torno se revolvia o turbilhão, ela conservava sua inalterável serenidade.

O colo arfava-lhe mansamente, ao influxo das brandas emoções; o sorriso coalhava-se em

enlevos nos lábios entreabertos, por onde escapava-se a respiração calma. Desprendia-se

de seus olhos, de toda sua pessoa, uma efusão celeste que era como a sua irradiação.

Quando completou-se esta assunção de sua beleza, o baile estava a terminar.

Aurélia fez um gesto ao marido, e envolvendo-se na manta de caxemira que ele

apresentara-lhe, trançou o braço no seu. No meio das adorações que a perseguiam, retirouse

orgulhosamente reclinada ao peito desse homem tão invejado, que ela arrastava após si

como um troféu.

O carro estava à porta. Ela sentou-se rebatendo os amplos folhos da saia para dar

lugar ao marido.

- Que linda noite! exclamou recostando a cabeça nas almofadas para engolfar os

olhos no azul do céu marchetado de estrelas.

Com esse movimento sua espádua tocou no ombro de Seixas e os cachos de cabelos

castanhos, agitados pelo movimento do carro, afagaram a face do mancebo desprendendo

perfumes de inebriar. De momento a momento, a claridade do gás entrava pela portinhola

do carro, em frente ao lampião, e debuxava o mavioso semblante de Aurélia e seu colo,

que a manta escorregando, tinha descoberto.

Na posição em que estava, olhando por cima da espádua da moça, ele via na sombra

Senhora- José de AlencarOnde histórias criam vida. Descubra agora