Havia baile em São Clemente.
Aurélia ali estava como sempre, deslumbrante de formosura, de espírito e de luxo.
Seu traje era um primor de elegância; suas jóias valiam um tesouro, mas ninguém
apercebia-se disso. O que se via e admirava era ela, sua beleza, que enchia a sala, como um
esplendor.
O baile em vez de fatigá-la, ao contrário a expandia. Semelhante às flores tropicais,
filhas do sol, que ostentam o brilhante matiz nas horas mais ardentes do dia, era justamente
nesse pélago de luz e paixões, que Aurélia revelava toda a opulência de seu beleza.
Seixas a contemplava de parte.
As outras moças, de meia noite em diante, começavam a murchar-se; o cansaço
desbotava-lhes a cor, ou afogueava-lhes o rosto. O talhe denunciava o excesso da fadiga na
languidez das inflexões ou na rispidez do gesto.
Aurélia ao contrário, à medida que adiantava-se a noite, desferia de si mais seduções,
e parecia entrar na plenitude de sua graça. A correção artística de seu traje ia
desaparecendo no bulício do baile. Como o primeiro esboço que surge afinal do cinzel
impetuoso do artista, ao fogo da inspiração, sua estátua recebia da admiração da turba os
últimos toques.
Quando em torno se revolvia o turbilhão, ela conservava sua inalterável serenidade.
O colo arfava-lhe mansamente, ao influxo das brandas emoções; o sorriso coalhava-se em
enlevos nos lábios entreabertos, por onde escapava-se a respiração calma. Desprendia-se
de seus olhos, de toda sua pessoa, uma efusão celeste que era como a sua irradiação.
Quando completou-se esta assunção de sua beleza, o baile estava a terminar.
Aurélia fez um gesto ao marido, e envolvendo-se na manta de caxemira que ele
apresentara-lhe, trançou o braço no seu. No meio das adorações que a perseguiam, retirouse
orgulhosamente reclinada ao peito desse homem tão invejado, que ela arrastava após si
como um troféu.
O carro estava à porta. Ela sentou-se rebatendo os amplos folhos da saia para dar
lugar ao marido.
- Que linda noite! exclamou recostando a cabeça nas almofadas para engolfar os
olhos no azul do céu marchetado de estrelas.
Com esse movimento sua espádua tocou no ombro de Seixas e os cachos de cabelos
castanhos, agitados pelo movimento do carro, afagaram a face do mancebo desprendendo
perfumes de inebriar. De momento a momento, a claridade do gás entrava pela portinhola
do carro, em frente ao lampião, e debuxava o mavioso semblante de Aurélia e seu colo,
que a manta escorregando, tinha descoberto.
Na posição em que estava, olhando por cima da espádua da moça, ele via na sombra
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Senhora- José de Alencar
RomanceOBRA DE DOMÍNIO PUBLICO *NÃO SOU A ESCRITORA DA OBRA, ESTOU APENAS REESCREVENDO PARA O APLICATIVO CLÁSSICO DA LITERATURA BRASILEIRA