Frutas da estação: abacaxis, figos e laranjas seletas, rivalizando com as maçãs, pêras
e uvas de importação, ornavam principalmente a refeição meridiana que os costumes
estrangeiros substituíram à nossa brasileira merenda da tarde, usada pelos bons avós.
Havia também profusão de massas ligeiras, como empadinhas, camarões e ostras
recheadas, além de queijos de vários países e doces de calda ou cristalizados. Os melhores
vinhos de sobremesa desde o Xerez até o Moscatel de Setúbal, desde o Champanha até o
Constança, estavam ali tentando o paladar, uns com seu rótulo eloqüente, outros com o
topázio que brilhava através das facetas do cristal lapidado.
- Não tenho a menor disposição! disse Fernando obedecendo ao gesto de Aurélia e
sentando-se à mesa.
- Ora! disse a moça com volubilidade. Para provar frutas e doces não é preciso Ter
fome; faça como os passarinhos. O que prefere? Um figo, uma pêra ou o abacaxi?
- É preciso que eu tome alguma coisa? perguntou Fernando com seriedade.
- É indispensável.
- Nesse caso tomarei um figo.
- Aqui tem; um figo e uma pêra; é apenas um casal.
Seixas inclinou a cabeça; colocou o prato diante de si e comeu as duas frutas,
pausada e friamente, como um homem que exerce uma ação mecânica. Nada em sua
fisionomia revelava a sensação agradável ao paladar.
Aurélia que esmagava entre os lábios purpurinos bagos de uva moscatel, seguia com
os olhos os movimentos automáticos de Fernando, e se não adivinhava, confusamente
pressentia o motivo que atuava sobre seu marido.
Ergueu-se então da mesa, e saindo fora, à beirada da casa, onde já fazia sombra,
divertiu-se em dar de comer aos canários e sabiás, que festejaram sua chegada com uma
brilhante abertura de trinados e gorjeios.
Pensava Aurélia que sua presença porventura acanhava o marido; e buscava aquele
pretexto para arredar-se um instante e deixá-lo mais livre de cerimônias. Desvaneceu-se
porém essa idéia do seu espírito, quando espiando pela fresta da janela, viu Seixas imóvel,
com os olhos fitos na parede fronteira, e completamente absorto.
Depois do lanche, Aurélia convidou o marido para darem uma volta pelo jardim; mas
havia senhoras nas janelas da vizinhança, e a moça não quis expor-se aos olhares curiosos.
Ela não era a noiva feliz e amada; mas as outras a supunham, e tanto bastava para que seu
pudor a recatasse às vistas dos estranhos.
Voltaram pois à saleta.
Aí andaram a borboletear de um a outro assunto, mas apesar do desejo que tinham,
de prolongar a conversação, ou talvez por essa mesma preocupação que os distraía, não
encontraram tema para divagar.
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Senhora- José de Alencar
RomanceOBRA DE DOMÍNIO PUBLICO *NÃO SOU A ESCRITORA DA OBRA, ESTOU APENAS REESCREVENDO PARA O APLICATIVO CLÁSSICO DA LITERATURA BRASILEIRA