Lemos voltara satisfeito com o resultado da sua exploração.
Era o velho um espírito otimista, mas à sua maneira; confiava no instinto infalível de
que a natureza dotou o bípede social para farejar sei interesse e descobrí-lo.
Tinha pois como impossível que um moço, em seu perfeito juízo, dirigido por
conselho de homem experiente, repelisse a fortuna que de repente lhe entrava pela porta da
casa, e casa da rua do Hospício a sessenta cruzeiros mensais, para tomá-lo pelo braço e
conduzí-lo de carruagem, recostado em fofas almofadas, a um palácio nas Laranjeiras.
Sabia Lemos que os escritores para arranjarem lances dramáticos e quadros de
romance, caluniavam a espécie humana atribuindo-lhe estultices desse jaez; mas na vida
real não admitia a possibilidade de semelhantes fatos.
- Não se recusam cem mil cruzeiros, pensava ele, sem uma razão sólida, uma razão
prática. O Seixas não a tem; pois não considero como tal essas palavras ocas de tráfico e
mercado, que não passam de um disparate. Queria que me dissessem os senhores
moralistas o que é esta vida senão uma quitanda? Desde que nasce um pobre diabo até que
o leva a breca não faz outra coisa senão comprar e vender? Para nascer é preciso dinheiro,
e para morrer ainda mais dinheiro. Os ricos alugam os seus capitais; os pobres alugam-se a
si, enquanto não se vendem de uma vez, salvo o direito do estelionato.
Assim, convencido de que Seixas não tinha o que ele chamava de razão sólida para
rejeitar o casamento proposto, não vira Lemos na primeira recusa senão um disfarce, ou
talvez o impulso dessa tímida resistência, que os escrúpulos costumam opor à tentação.
Esperava, pois, salutar revolução que dentro de poucos dias se devia operar nas idéias do
mancebo.
Ao sair da casa de Seixas, Lemos dirigiu-se à casa do Amaral, onde entabulou uma
negociação que devia assegurar o êxito da primeira.
Desenganado o moço da Adelaide e dos trinta mil cruzeiros, não tinha remédio senão
aceitar a consolação dos cem mil; consolação que levaria o pico de uma vingançazinha.
Não sei como pensarão da fisiologia social de Lemos; a verdade é que o velhinho não
mostrou grande surpresa quando uma bela manhã veio dizer-lhe seu agente que o
procurava um moço de nome Seixas.
Esse agente chamava-se Antônio Joaquim Ramos, e era o mesmo de quem o velho
tomara emprestado o nome. Estava prevenido pelo patrão desta circunstância que não o
surpreendia, pois era jubilado em tais alicantinas.
- Que espere! Gritou o velho.
Tinha Lemos na loja da casa de morada uma coisa chamada escritório de agências.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Senhora- José de Alencar
RomanceOBRA DE DOMÍNIO PUBLICO *NÃO SOU A ESCRITORA DA OBRA, ESTOU APENAS REESCREVENDO PARA O APLICATIVO CLÁSSICO DA LITERATURA BRASILEIRA