O portão ficava a uns trinta passos da casa que se erguia no centro de vasto jardim
inglês.
Todas as janelas do primeiro pavimento estavam abertas e despejavam cortinas de
luz, que tremulavam nas águas do tanque e na folhagem verde agitada pela brisa.
As visitas foram conduzidas pelo criado ao salão, onde apenas se achava D. Firmina
Mascarenhas, e o Torquato Ribeiro, com quem o velho trocou algumas palavras no vão de
uma janela, enquanto Seixas sentado junto ao sofá, aguardava o terrível momento.
Ouviu-se um frolido de sedas, e Aurélia assomou na porta do salão.
Trazia nessa noite um vestido de nobreza opala, que assentava-lhe admiravelmente,
debuxando como uma luva o formoso busto. Com as rutilações da seda que ondeava o
reflexo das luzes, tornavam-se ainda mais suaves as inflexões harmoniosas do talhe
sedutor.
Como que banhava-se essa estátua voluptuosa, em um gás de leite e fragrância.
Seus opulentos cabelos colhidos na nuca por um diadema de opalas, borbotavam em
cascatas sobre as alvas espáduas bombeadas, com uma elegante simplicidade e garbo
original que a arte não pode dar, ainda que o imite, e que só a própria natureza incute.
Via-se bem que essa altiva e gentil cabeça não carregava um fardo, talvez o espólio
de um crânio morto, jugo cruel que a moda impõe às moças vaidosas. O que ela ostentava
era a coma abundante de que a toucara a natureza, como às árvores frondosas, era a juba
soberba de que a galantaria moderna coroou a mulher como emblema de sua realeza.
Cingia o braço torneado que a manga arregaçada descobria até a curva, uma pulseira
também de opalas, como eram o frouxo colar e os brincos de longos pingentes que
tremulavam na ponta das orelhas de nácar.
Com o andar crepitavam as pedras das pulseiras e dos brincos, formando um trilo
argentino, música do riso mavioso que essa graciosa criatura desprendia de si e ia deixando
em sua passagem, como os harpejos de uma lira.
Atravessou a sala com o brando arfar que tem o cisne no lago sereno, e que era o
passo das deusas. No meio ondulações da seda parecia não ser ela quem avançava; mas os
outros que vinham ao seu encontro, e o espaço que ia-se dobrando humilde a seus pés, para
evitar-lhe a fadiga de o percorrer.
Se Aurélia contava com o efeito de sua entrada sobre o espírito de Seixas, frustrarase
essa esperança; porque os olhos do macebo nublados por um súbito deslumbramento,
não viram mais do que um vulto de mulher atravessar o salão e sentar-se no sofá.
A moça porém não carecia dessas ilusões cênicas. Aquela aparição esplêndida era em
sua existência um fato de todos os dias, como o orto dos astros. Se sua beleza surgia
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Senhora- José de Alencar
RomansaOBRA DE DOMÍNIO PUBLICO *NÃO SOU A ESCRITORA DA OBRA, ESTOU APENAS REESCREVENDO PARA O APLICATIVO CLÁSSICO DA LITERATURA BRASILEIRA