Desde então Seixas encontrou-se quase todas as noites com Aurélia, ou em casa
desta, ou na sociedade.
A maneira afável por que a moça o tratava tinha, senão desvanecido completamente,
ao menos embotado, as suscetibilidades de sua consciência acerca do ajuste que fizeram
com Lemos. Não que se absolvesse da culpa; mas esperava remí-la pelo amor.
Suas conversas com Aurélia versavam ordinariamente sobre temas de sala. Às vezes,
porém, ele aproveitava um pretexto para falar-lhe nesse estilo terno e mavioso, que é como
o canto do amor, e por isso não carece da idéia, mas somente do vocábulo sonoro, para
abalar o coração aos suaves harpejos dessa música.
Então Aurélia pendia a fronte, e escutava com recolhimento o lirismo da palavra
inspirada pelo moço; todavia nunca em seu rosto ou em sua pessoa transpareceu o menor
sinal de retribuição a esse afeto. Ela abria a alma ao amor; porém o amor que filtrava nas
meigas falas de Seixas, evaporava-se como uma fragrância que a envolvia um instante,
sem penetrar-lhe os seios d'alma.
Houve ocasião em que escapou a Seixas outra alusão ao passado. Como da primeira
vez ela o atalhou:
- Esse tempo não existe para mim. Nasci há um ano.
Encontrando-se uma tarde com Lemos, Seixas o interpelou:
- Tenho um favor a pedir-lhe.
- Dois que sejam.
- Diga-me com franqueza, qual o motivo por que o senhor escolheu-me de
preferência para marido de sua pupila, quando nem me conhecia?
O velho debulhou uma risadinha que lhe era peculiar.
- Han! Han!... Então quer saber? Pois lá vai; não faço mistério, não me convinha que
a pequena se deixasse iludir pelas lábias de um desses bigodinhos que lhe andam ao faro
do dote. Então soube que ela outrora gostara do senhor; e como pelas informações que
tinha, me quadrava, fui procurá-lo. Agora o resto é por sua conta, maganão.
Esta explicação mais serenou o espírito do moço, e dissipou uns últimos rebates que
ainda o assaltavam às vezes. Pensando bem, o modo por que ajustara seu casamento não
era nenhuma novidade; todos os dias estavam fazendo dessas alianças de conveniência, em
termos idênticos, senão mais positivos.
Além disso a sorte, por uma feliz coincidência, fizera que desse projeto de casamento
de razão surtisse um enlace de amor; de modo que o coração absolvia e santificava quanto
se havia feito para realização de seus votos.
Continuou pois Seixas com os seus doces madrigais e os maviosos noturnos ao canto
da sala.
Depois da noite da apresentação deixara Lemos a seus protegido, como o chamava, o
cuidado de arranjar seus negócios. Apareceu-lhe porém uma manhã:
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Senhora- José de Alencar
RomanceOBRA DE DOMÍNIO PUBLICO *NÃO SOU A ESCRITORA DA OBRA, ESTOU APENAS REESCREVENDO PARA O APLICATIVO CLÁSSICO DA LITERATURA BRASILEIRA