Sucedem-se no procedimento de Aurélia atos inexplicáveis e tão contraditórios, que
derrotam a perspicácia do mais profundo fisiologista.
Convencido de que também o coração tem uma lógica, embora diferente da que rege
o espírito, bem desejara o narrador deste episódio percrutar a razão dos singulares
movimentos que se produzem n'alma de Aurélia.
Como porém não foi dotado com a lucidez precisa para o estudo dos fenômenos
psicológicos, limita-se a referir o que sabe, deixando à sagacidade de cada um atinar com a
verdadeira causa de impulsos tão encontrados.
Remontemos pois o curso dessa nova existência de Aurélia até à noite de seu
casamento, quando a exaltação que a animava durante a cena passada com Seixas,
abatendo de repente, a deixou prostrada no tapete da câmara nupcial.
Não foi propriamente um desmaio que a tomou, ou este não passou de breve síncope.
Mas o resto da noite, ela o passou ali, sem forças nem resolução de erguer-se, em um
torpor intenso, que não se lhe apagava de todo os espíritos, os sopitava em uma modorra
pesada.
Tinha a consciência de sua dor; sofria acerbamente; porém faltava-lhe naquele
instante a lucidez para discriminar a causa de seu desespero e avaliar da situação que ela
própria havia criado.
Pela madrugada, o sono, embora agitado, trouxe um breve repouso à sua angústia.
Dormiu cerca de uma hora, tendo por leito o chão, e com a cabeça apoiada nesse mesmo
estrado, que devia servir de degrau à sua felicidade.
A claridade da manhã que filtrava pela cassa das cortinas, despertou-a. Ergueu-se
arrebatadamente e o impulso de uma idéia terrível, atravessara como um raio de luz a
sombra confusa de suas reminiscências.
Correu à porta por onde saíra Seixas, e escutou presa de viva inquietação. Por vezes
levou a mão à chave, e retirou-a assustada. Volveu a esmo os passos rápidos pela casa;
afinal aproximou-se da janela, sem intenção, automaticamente.
Foi nessa ocasião que viu Seixas atravessar o jardim furtivamente e entrar em casa.
Ainda reinava o silêncio por toda essa parte da habitação, de modo que ela pode ouvir o
leve rumor dos passos do marido no próximo aposento.
Um riso de acre desprezo crispou-lhe os lábios.
- É um covarde!
Depois do que se havia passado entre ambos, na noite do casamento, pensava Aurélia
que só havia para Seixas dois meios de quebrar o jugo humilhante a que o tinha submetido.
Não lhe restava senão matá-la a ela, ou matar-se a si.
Para uma dessas duas soluções se tinha a moça preparado. É certo que às vezes seu
coração afagava uma esperança impossível. Se o homem a quem amava, se ajoelhasse a
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Senhora- José de Alencar
RomanceOBRA DE DOMÍNIO PUBLICO *NÃO SOU A ESCRITORA DA OBRA, ESTOU APENAS REESCREVENDO PARA O APLICATIVO CLÁSSICO DA LITERATURA BRASILEIRA